por Lucien Sève
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Seremos
forçados a provar que, sob certo ponto de vista, o não-ser existe e
que, em compensação, o ser, por sua vez, não existe de modo algum!
(Platão[1])
Contradição dialética e dialética das contradições
Lucio
Colleti: “Mesmo se o marxismo afirma o contrário, não existem
contradições reais, fatos entre si contraditórios, ‘contradições’
objetivas. A contradição pertence só e exclusivamente à ‘lógica’, ao
pensamento. Falar de uma ‘realidade autocontraditória’ é sem sentido,
tanto quanto apontar ‘contradições’ na sociedade e mesmo na natureza.”
Certamente, a sociedade experimenta conflitos e lutas, mas “nesse caso
tem-se o que Kant denominou de ‘oposição real’ — e a oposição real nada
tem a ver com a ‘contradição’”.
Para circunscrever com precisão o
sentido da categoria ‘dialética da contradição’, para começar — e fora
de dúvida —, nada é tão instrutivo quanto examinar o sem sentido já
identificado, bem corrente — podendo-se vir a constatar, então, que essa
objeção é, ela mesmo, sem sentido. Poucos textos perseguiram esse
caminho por negação da negação quanto o longo estudo, do qual se leram
aqui as primeiras linhas, produzido pelo filósofo Lucio Colletti, em
1980, sob o título de Contradição dialética e não contradição[2]:
pelo melhor ou pelo pior, consiste na mais exemplar das polêmicas
correntes que não faz muito tempo visavam desqualificar de partida a
questão a ser aqui tratada. A
linha de argumentação de Colletti é simples — vem a ser a mesma de
Dühring, de Trendelenburg e, originalmente, de Kant: ele repete sem
cessar que “o ponto essencial” é não perder de vista aquilo que se disse
no início: “que as ‘contradições reais’, ou seja, as contradições ‘na
realidade’, não existem.”[3] E isto se apresenta mediante
três teses conexas: 1) Kant estabeleceu de modo definitivo que a
existência, como questão, está fora da lógica[4]; assim, falar de
contradição real vem a ser fazer uma confusão estúpida de dois
domínios, inteiramente distintos entre si. 2) A pretendida contradição
dialética não é mais do que um nome aberrante para a oposição correlativa de contrários,
a qual não necessita da dialética para ser claramente pensada. 3) Dar
guarida à contradição dita dialética consiste em violar a regra mais
fundamental da razão: o princípio da contradição, o qual, para prevenir todo equívoco, deve ser chamado, então, de não-contradição.
Essas
teses são consideradas tão fortes pelo autor que ele não crê ser
necessário fazer uma análise aprofundada dos numerosos desenvolvimentos
de Hegel e Marx que parecem provar o contrário. Assim, a erudição posta
por Lucio Colletti a serviço de suas próprias teses coabita com um
tratamento expeditivo das dialéticas adversárias: ‘ignorância’, ‘erro
decisivo’, ‘sem sentido’, ‘absurdo’, ‘incompreensão total’ que chega ao
‘cúmulo’ e suscita uma ‘monstruosidade lógica’ — são esses os termos com
os quais, já nos anos 80, faz o desejado julgamento final do pensamento
dialético.
Deixando de lado as invectivas, aqui se levará a
sério as teses avançadas. Que dizer da asserção segundo a qual, em razão
do caráter extra-lógico da existência, a ideia de contradição real
resvala para o sem sentido? Para começar, notemos que, ao se julgar
absurdo atribuir à contradição dialética um significado ontológico,
também, pela mesma razão, se deve fazê-lo quanto ao princípio clássico
da não contradição, tal como foi feito por toda a metafísica de
Aristóteles à Leibniz; ora, isto não impediu Lucio Colletti de opor
nessa matéria o julgamento do primeiro ao de Hegel, quando é de se
observar que ele invalida pelo mesmo motivo também o seu.
Dito
isto, situando-se na perspectiva kantiana, é preciso ver que o autor
aponta, com razão, o seu rompimento nesse ponto essencial com a tradição
metafísica ao aderir às concepções modernas formais que rejeitam
qualquer transposição da lógica para o existente. Mas, então, como não
ver que, conforme a fórmula famosa de Kant segundo a qual a existência
não é um predicado, a inexistência também não pode sê-lo, de sorte que
fica fortemente invalidada toda argumentação lógica que pretenda
demonstrar, tal como aquela proposta, que não pode haver contradição real?
Lucio Colletti cai assim evidentemente em contradição no sentido
clássico da palavra: a existência ou não de uma dialética da natureza é
uma questão de fato que nenhuma consideração de ordem teórica é capaz de
resolver, salvo fazer da existência um predicado.
Acrescente-se
que é espantoso ver um filósofo tirar um argumento de uma tese kantiana
de modo tão pouco crítico. Para ele, o caráter extra-lógico da
existência é indiscutível: Kant afirmou-o, Trendelenburg, Hartmann,
Popper, Kelsen e muitos lógicos repetiram-no depois — que mais se pode
desejar? De tudo que foi mostrado acima quanto às relações fundamentais
suscetíveis de serem concebidas — apesar de Kant — entre o lógico e o
real — que se pense nessas relações ao modo idealista de Hegel ou ao
modo materialista de Marx — não se encontra palavra no estudo de
Colletti. Ele procurou afirmar a sua tese, omitindo-se de sustentá-la.
Vejamos,
então, o corpo mesmo do delito: será verdadeiro que a assim nomeada
contradição dialética seja somente, na melhor das hipóteses, um nome
aberrante para a oposição de contrários já bem estudada por Aristóteles?
Uma afirmação tão insolente dirigida ao pensamento dialético requer ao
menos um esforço inicial de justificação textual. Hegel consagra
cinquenta páginas da Ciência da lógica para mostrar como a
identidade esconde em seu fundo a diferença, a oposição e, no fim das
contas, a contradição que a constitui verdadeiramente; então, pode-se
aceitar uma crítica muito radical quando ela não se digna a fornecer
qualquer análise desse material. Lucio Colletti nada faz a esse
respeito. Façamos essa análise, então, muito sucintamente, em seu lugar.
Do fato de que a identidade difere da diferença, ele conclui que ela contém em si a diferença
– fórmula que nossa vida social atual tornou acessível, pois a
reinvindicação do direito da diferença tornou-se um elemento notório da
busca de identidade. Em seu sentido exterior, a diferença é apenas
diversidade indiferente entre muitos, mas considerada em sua
interioridade essencial — por exemplo, como diferença do positivo e do
negativo — ela é oposição: seus termos não são mais simplesmente
diversos indiferentes, mas polos respectivos de uma unidade negativa em
que cada um deles tem diante de si, não outro em geral, mas o seu outro;
eis que ele mesmo é determinado em sua relação com este outro, o seu
contrário. Fica evidente assim que na própria oposição essencial, os
opostos não são postos no que são por uma relação exterior, tal como,
por exemplo, as dívidas, riquezas negativas para o devedor, mas
positivas para o credor. Na oposição essencial, cada oposto se põe a si
mesmo pondo o seu contrário e, assim, subsumindo-o[5]: em sua
plena acepção categorial, o positivo é posição implícita do negativo,
assim como o negativo é negação explícita do positivo. Ao final, eles
são também a mesma coisa, ou melhor, a mesma relação: identidade de
contrários. Eis aí porque a oposição encontrada pode e deve ser nomeada
propriamente por contradição: cada um tem por essência “por o seu outro,
que o exclui”. A contém em si não-A, o qual não é somente seu
contrário, mas sim o seu contraditório.
Compreende-se que os
detratores da dialética evitem constantemente explicarem-se sobre essas
análises, preferindo acusá-la nos bastidores de ser sem sentido: são,
por isso, difíceis de refutar, especialmente quando se põem no contrapé
de Aristóteles. Pois, segundo Aristóteles, “é impossível que uma mesma
coisa seja contrária a si mesma”. Ora, o que Hegel tornou manifesto é
que cada categoria é contraria a si própria: o idêntico é diferente, o
objetivo é subjetivo, o necessário é contingente... – assim sendo,
ademais, não por outros, mas por si mesmo. Portanto, o verdadeiro é
verdadeiro quando preciso e determinado; mas, estando determinado, é
limitado pelo não verdadeiro: exatamente enquanto verdade determinada é
que se tem o falso, o que obriga a apreender dialeticamente a “simples
dicotomia do verdadeiro e do falso”.
Aqueles que não concordam
com a dialética costumam recorrer à simplicidade de certos exemplos
pedagógicos clássicos, os quais são usados em seu favor, especialmente
certos exemplos que se encontram no âmbito das ciências naturais e da
matemática. Lucio Colletti cita piedosamente uma passagem dos Cadernos filosóficos
de Lenin em que ele, lendo Hegel, enumera, depois de Engels, algumas
relações dialéticas simples, as quais, segundo ele afirma, afiguram-se
como “oposições sem contradição, as quais não implicam qualquer
dialética”; por exemplo, o + e o – em matemática, ação e reação em
mecânica, eletricidade positiva e negativa em física... Ora, a não ser
no primeiro exemplo, onde se encontraria a falta de sentido no
tratamento que Hegel dá à formulação da contradição? Como um caminho
percorrido para Leste é o mesmo percorrido em direção ao Oeste, eles se
anulam em seu resultado e, entretanto, não são menos “a soma de um
esforço duplo e de dois períodos temporais, de tal sorte que se deveria
colocar não somente que + y – y = 0, mas também, ao mesmo tempo, que + y
– y = 2y”[6]. De igual forma, no movimento da riqueza, uma
dívida e um crédito correspondentes entre si constituem-se muito
concretamente num meio econômico dobrado. A relação entre o positivo e o
negativo recobre, então, não uma simples oposição aristotélica de
contrários, mas uma contradição efetiva. Denunciar a suposta miséria de
tais exemplos não mostra um fato: que não se sabe como descobrir a
dialética onde ela precisamente se encontra? Ao fazer um esforço para
entender Hegel, descobre-se que o lugar da dialética não são os polos,
mas a própria polaridade. E mais do que a polaridade, este lugar é a
diferenciação que ela mostra existir no seio da identidade, não do
negativo em face do positivo, mas da negatividade absoluta que a
perpassa.[7]
Fica, então, a seguinte acusação fundamental:
pensar dessa maneira não seria violar o princípio da não contradição e,
assim, contraditar a razão. Com essa imputação se chega ao anátema
original contra o hegelianismo. Lucio Colletti tem, entretanto, de
admitir um fato fortemente perturbador: se ele é frequentemente difícil
e, às vezes, obscuro, Hegel não nos oferece menos “um discurso provido
de sentido”, mesmo quando nos apresenta o sem sentido. Que se passa
aqui? Eis que a dialética não vem a ser a negação de toda razão tal como
estigmatiza toda crítica. O texto de Ciência da lógica dá pouco
espaço às proposições classicamente inadmissíveis como “o infinito é
finito” ou “um são muitos”; Hegel sublinha a esse propósito, ao
contrário, que a forma tradicional do juízo — relação de identidade
entre sujeito e predicado — é inadequada para expressar o pensamento
dialético.
Certo, este tipo de enunciado cai bem em certos
momentos expressivos dependentes da figura temporal da contradição
formal — e daí a “luz paradoxal e bizarra” na qual aparece o “pensar
especulativo” àqueles que não estão com ele familiarizados. Mas a
contradição real é exposta melhor como um momento do conteúdo na forma
de apresentação que não tem necessidade, ela própria, do “paradoxal e do
bizarro”. Dizer, por exemplo, que o devir “não é simplesmente a unidade
unilateral e abstrata do ser e do nada”, mas, sobretudo, a sua
“diferença”, não viola as regras do “discurso provido de sentido” e, no
entanto, assim se formula um conteúdo autenticamente dialético. De resto
— e, aqui, se tem um ponto importante —, o pensamento dialético e a
lógica ordinária não se constituem como dois universos incomunicáveis.
Para reabsorver a contradição dialética na forma do não contraditório, é
suficiente fazer com que os contrários não valham para uma mesma coisa
“ao mesmo tempo e na mesma relação”, o que é sempre formalmente
possível. Que tal operação se mostre insustentável do ponto de vista do
conteúdo, isto manifesta claramente a irredutibilidade da dialética.
Vem
a ser uma realidade elementar e universal sobre o movimento que ele
seja uma contradição em ato. “Um coisa qualquer se move somente (...) se
num só e mesmo momento está aqui e não está aqui”. Para deixar de
acolher a contradição que desafia o “bom senso”, pode-se pretender que
não se trata verdadeiramente de “um só e mesmo momento”: eis que é
suficiente para tanto dividir esse momento em dois, e assim por diante
até o infinito. É a aporia de Zenão de Hileia: o movimento de um móvel
acaba sendo reduzido a uma série de posições imóveis. A lógica ordinária
é salva, mas o movimento como tal se torna impensável. Resultado
edificante: além de certos limites, a exigência de não contradição formal suscita, ela própria, contradições formais insolúveis.
De
modo semelhante, pode-se recusar a admitir que os contrários coincidam
“sob a mesma relação”. Dir-se-á, por exemplo, que o conhecimento é certo
tanto objetiva quanto subjetivamente, mas em dois sentidos diferentes:
objetivamente, enquanto é definido no objeto; subjetivamente, enquanto
definido no sujeito. Para evitar a contradição formal, dever-se-á então
desintegrar o conhecimento em uma objetividade sem o sujeito, de um
lado, e em uma subjetividade sem o objeto, do outro, chegando assim a um
misto desastroso de dogmatismo e ceticismo. De igual modo, pode-se
dizer que a luz vem a ser, por um lado, corpúsculo e, por outro, onda,
mas sob duas relações diferentes — concepção vulgar de
complementariedade muito afastada do conceito elaborado por Bohr. Eis
que a luz não é “tanto uma, quanto a outra, como se diz comumente” —
escreve J.-M Lévy-Leblond. É certo, o fóton “parece” em certas
circunstâncias como uma onda e, em outras, como uma partícula, assim
como ornitorrinco parece sob certo aspecto um pato e sob outro uma
toupeira. Mas, ao raciocinar assim, falsifica-se totalmente “sua
diferença em relação aos objetos clássicos”, obtendo uma unidade de “tipo novo”, característico do mundo quântico.
Em
suma, a regra “ao mesmo tempo e sob a mesma relação” da lógica
habitual, que se encontra marcada profundamente pelas velhas
representações metafísicas, é solidária de um duplo postulado de
analiticidade que, além de certo ponto, faz inapelavelmente violência ao
real. Em face de tudo aquilo que a natureza tem de sintético e de
processual, vem a ser o “bom senso” que se torna “não senso” e a
dialética que devém o racional.
À sempiterna imputação de falta
de razão repetida por Colletti contra a dialética, responde-se então que
o não razoável é justamente o dogmatismo lógico cujo lema parece ser o
seguinte: que sucumba a inteligibilidade do real desde que seja
respeitada a não contradição formal! Mas é preciso dizer: na verdade, a
imputação de irracionalidade retorna por si mesma, inteiramente. Eis que
a imagem idílica de uma boa lógica, a qual nos preserva da contradição e
da dialética má, vem a ser uma impostura. Pois, não é a dialética que
se deleita, continuamente, a inventar as antinomias que o entendimento,
como as suas categorias fixas e separadas, acolhe — tal como a dicotomia
congelada do ser e do nada.
A sua abordagem, em primeiro lugar, consiste em apreender o momento “negativamente racional” ou dialético stricto sensu,
ou seja, vem a ser reconhecer as contradições nas quais as
determinações do entendimento se encontram perante a necessidade de se
negarem a si mesmas — o não ser é, o ser não é —, pois, em seu momento
“positivamente racional” ou “especulativo”, consiste em afirmar a
unidade dessas determinações em sua própria oposição: neste ponto,
sublinha Hegel, a contradição “dissolve-se” e devém fundamento (Grund) de um conceito mais concreto — em nosso exemplo, o devir,
unidade negativa do ser e do nada. Apreende-se, assim, a falsidade do
preconceito corrente em relação à dialética: não somente ela não encerra
o pensamento na contradição, mas em seu sentido profundo vem superá-la.
A acusação se inverte: é a lógica ordinária que nos faz tombar no
irracional, sem outro remédio que aquele proposto por Kant – considerar a
contradição como insuportável para a subjetividade pensante, assim
evitando imputá-la à “essência do mundo”. Ao contrário, seguindo Hegel,
aprendemos a pensar as contradições em sua própria objetividade até o
momento em que elas se suprimem a si mesmas passando a categorias mais
elevadas. Em suma, fazendo eco de uma tese famosa de Marx, a lógica
ordinária não faz mais do que proibir a contradição, mas o que importa
vem a ser resolvê-la e, para tanto, não há outra via do que enfrentá-la
racionalmente, isto é, pensar dialeticamente.
A questão recobra,
entretanto, um sentido que não tem qualquer interesse para Colletti: é
possível dizer que a contradição se resolve em geral? E, nesse sentido,
que representa do ponto de vista dialético uma categoria pensada também
como uma identidade abstrata? É certo, Hegel indicara já diferenças em
seu tratamento das contradições: entre os modos lógicos de transição de
umas às outras nas esferas respectivas do ser, da essência e do
conceito; entre as suas justaposições estáticas no mundo da natureza e
sua progressão conexa no mundo do espírito; entre a sua constante
assumpção que assegura razão à história e o sacrifício trágico dos povos
que encarnam os seus momentos sucessivos, etc. Mas essas diferenças não
são tão fundamentais aos seus olhos; pois, na Lógica, expõe o
conteúdo e o movimento das contradições tomadas universalmente,
atribuindo-lhes a mesma validade em todo desenvolvimento natural e
espiritual em geral. Sobre esse ponto notadamente, como já foi dito,
Marx discorda.
A partir de sua análise da sociedade e do Estado,
Marx opôs à contradição sempre passível de subsunção, ou seja,
reconciliável — tal como se encontra em Hegel — a contradição
irreconciliável, denominando-a de antagônica. Nestas não se observam nem
a identidade original das categorias, nem a subsunção final de suas
polaridades numa unidade superior, mas sim a eliminação de um contrário e
a emancipação do outro. Ora, [este modo de apreender certas
contradições] confere uma irreversibilidade revolucionária ao processo
em seu conjunto, em oposição à circularidade conservadora de Hegel —
circularidade esta, aliás, com que acusa Hegel de reduzir ao final das
contas toda a dialética. Em sequência, estudando o funcionamento da
economia mercantil, ele descobre contradições que parecem em muitos
aspectos seguir o modelo hegeliano — e Engels, depois dele, faz o mesmo
se ocupando das ciências naturais. Tais contradições se desenvolvem
segundo um ritmo cíclico e são reconciliáveis. A lógica que as preside,
porém, permanece não tematizada na obra; sob o nome de contradições não
antagônicas, elas permanecem mesmo nas últimas décadas como um ponto
obscuro da teoria marxista; ademais, tais contradições têm sido muito
contestadas por causa de suas consequências políticas fortes.
Restringindo-nos
somente ao aspecto lógico e metódico da questão, procuremos tornar
claro o fundo categorial do antagonismo e do não antagonismo.
1) É constitutivo da contradição dialética em geral
a unidade negativa dos contrários. Mantendo diferença em relação à
negação formal que é sempre unívoca, a negação tomada em seu conteúdo
dialético tem diversas modalidades. Há aquela em que um contrário exclui
o outro somente de si, mas não apresenta as determinações
próprias deste outro — como na oposição não antagônica entre os
processos de assimilação e dissimilação ou na divisão em sexos. Esta
modalidade difere essencialmente daquela em que um contrário exclui o
outro de si mesmo, colocando em questão justamente a sua
existência – como no par antagônico vida/morte ou nos processos
competitivos da seleção natural.
2) Sob análise, o antagonismo revela uma dissimetria de posição lógica — um contrário mantém o outro em posição subalterna e/ou — segundo a flecha do tempo
— um contrário novo se põe como sucessor do anterior. Assim, o
organismo jovem ocupa pouco a pouco o lugar de outro senescente, uma
forma viva mais bem adaptada prenuncia a eliminação de outra que lhe é
inferior. Em oposição, o não antagonismo manifesta uma simetria de posição lógica entre
contrários: em sua unidade dual, são equipotentes de mesma geração.
Assim, no plano biológico, nenhuma função é normalmente marginalizada
por seu contrário conjugado, nenhum dos sexos é o “vir a ser do outro”.
Nesse sentido, o não antagonismo manifesta uma identidade de contrários,
enquanto que o antagonismo há unidade, mas não identidade.
3)
Em consequência, diferem entre si os destinos evolutivos dessas
contradições. Na simetria de uma relação não antagônica, os contrários
cooperam como momentos igualmente necessários de uma totalidade e, desse
modo, ou se metamorfoseiam um no outro, ou se anulam um ao outro e/ou
passam num terceiro que os reproduz. Inversamente, na dissimetria de uma
relação antagônica, os contrários estão em conflito estrutural de modo
radical, de tal modo que, por meio de uma eventual reversão da
dominância, prosseguem somente por meio da supressão do antigo contrário
dominante em favor do novo. De um lado, tem-se um funcionamento
identificante que se dá segundo um movimento que se anula a si mesmo na
invariância do processo; de outro, tem-se um desenvolvimento inovador em
que o conflito de contrários fomenta uma transformação irreversível.
Aqui
se tem, portanto, uma impressionante aventura do pensamento: sem que
ninguém tenha premeditado, a contradição dialética foi dividida em contrários,
por meio de uma dialética objetiva da qual resulta não duas modalidades
de contradições, univocamente identificáveis e exclusivas, mas, o que é
bem outra coisa, duas metodologias infinitamente moduláveis e
que, potencialmente, podem ser sobrepostas, embora não miscível na mesma
realidade. Trata-se de contradições qualificáveis de bom direito em
antagônicas e não antagônicas, as quais, para além das características
de essência, devem ser registradas dominantemente pelo seu conteúdo
formal qualquer que sejam as circunstâncias. Mas a determinação oposta
pode também ter um papel subsidiário. Sem dúvida, pode-se mesmo dizer
que o antagonismo está normalmente presente, de modo formal, no seio do
não antagonismo: nesse desenvolvimento, mesmo que a simetria dos
contrários acompanha o tempo em flecha, o conteúdo presente não se
reproduz jamais se tornando idêntico.
Da mesma forma, o não
antagonismo está normalmente presente no seio do antagonismo, ou seja,
ele aparece em seu funcionamento desde que a dissimetria substancial de
opostos não exclua o aspecto formal de simetria. Mas esta análise, como
se deve ver, é específica de uma dialética materialista em que
categorias comportam no fundo dimensões espaço-temporais. Excluindo tais
dimensões por princípio neste nível da realidade, Hegel não podia senão
ignorar tal distinção. O antagonismo em particular não encontra lugar
na Lógica, uma vez que ela deliberadamente faz abstração da
assimetria de ordem cronológica, em particular na natureza, uma vez que
esta não conhece mudança alguma ao longo do tempo. Ele não tem mesmo
qualquer sentido na história humana, pois aí a feroz oposição de
interesses e a trágica generalidade do perecimento não afetam, segundo
Hegel, senão as peculiaridades e as contingências, mas não a dialética
essencial do progresso cumulativo do Espírito Universal. Pois, este é
uma forma dada que “não passa com o tempo”, mas que “se ultrapassa” na
consciência de si. Não há nada aí comparável ao que Marx concebeu sob no
nome de antagonismo, ou seja, o conflito irreconciliável na essência mesma da
realidade histórica, o qual não leva a qualquer subsunção sintética,
mas sim produz uma transmutação eliminadora. O idealismo impediu Hegel
de reconhecer o antagonismo.
A contradição hegeliana seria,
então, sem que se soubesse disso, o modelo original do não antagonismo?
Ambos, Hegel e Marx, estabeleceram certas características comuns
importantes das contradições: notadamente, a identidade essencial de
opostos e a subsunção final dessa oposição; por meio deles ficou
estabelecida, ademais, uma diferença de grande alcance: a contradição
hegeliana encobre uma dissimetria formal a qual é governada por sua
lógica própria. O negativo não é de fato o simples vis-à-vis do
positivo. Logicamente segundo em relação ao imediato [ou seja, ao
positivo], porque faz a mediação, ele é a “contradição posta” – a
identidade, por exemplo, não é mais do que implicitamente diferente da
diferença, pois, ao contrário, explicita a unidade negativa de um e do
outro. Ainda mais: do negativo se desdobra a negação e, até mesmo, a
negação da negação que reestabelece o imediato, agora como resultado que
inclui todo o processo e, assim, o se tornar outro – assim, a diferença
faz-se diferenciação da identidade, que devém o fundamento do devir.
O negativo é então mediação, negatividade motriz da dialética. A Ciência da lógica
é inteiramente construída da seguinte maneira: cada momento passa em
outro mais concreto, para formar um sistema completo de categorias;
nesse processo sempre se desenvolve a mesma contradição — aquela entre o
ser e o nada se desdobra naquela do finito e do infinito, do positivo e
do negativo, etc. — no sentido próprio de que o carvalho é a bolota
[desenvolvida]. Assim se vê que a contradição hegeliana não é nem
antagônica e nem não antagônica. Ela não é antagônica, é claro, já que
em sua dissimetria um contrário não põe em questão a existência do
outro: o positivo será conservado numa forma superior. Compreendida
agora como relação cíclica de um par de contrários que não é alterado em
sua essência ao longo do processo, também não é não antagônica porque
não há nela, graças ao trabalho do negativo, uma progressão essencial.
Ela não é, situando-se numa indeterminação primeira entre as duas
alternativas mencionadas, a forma mais abstrata de uma terceira determinação da dialética: eis que não é nem funcionamento idêntico nem desenvolvimento histórico, mas desdobramento genético
de uma totalidade natural ou espiritual finalista desde o início, cuja
marca característica é a semente a partir da qual se opera a gênese
orgânica da planta?[8]
Tudo isso sugere uma visão geral
sobre a questão da contradição e, assim, sobre o conteúdo da dialética
como um todo. Em certo sentido, quase tudo já foi dito por Hegel. E,
quem conhece o seu trabalho, encontra os vestígios nos textos de Marx.
Livro sem paralelo na literatura filosófica universal, a Ciência da lógica
revela um mundo lógico-dialético cuja consistência e fertilidade na
ordem do método, pelo menos para aquele que fez um esforço para
entendê-la, compara-se favoravelmente com as da lógica-matemática.
Diante dela, a contribuição de Marx pode parecer subalterna, perdida que
está, em grande medida, em milhares de páginas de uma obra econômica em
que são constantes os esforços de análise concreta. O alcance
categorial de sua contribuição pode, por isso, passar despercebido. No
entanto, a inversão materialista operada por ele, por pouco ruído
filosófico que tenha suscitado, é o nascimento de uma verdadeira
dialética cientificamente operatória. A esse respeito, ela é fundadora
da descoberta do antagonismo e, portanto, implicitamente, do não
antagonismo.
Restaurando a ligação original da dialética com a
matéria-espaço-tempo, Marx desenvolveu, antecipadamente, um modo de
análise que está em congruência surpreendente com todo o conhecimento
contemporâneo. Neste último, desempenham papéis importantes certos pares
categoriais como simetria/quebra de simetria, reversibilidade/flecha do
tempo. Além disso, retirando a contradição de sua indeterminidade
neste aspecto crucial, ele deixa claro que ela é diversa em sua própria
essência. Não que fique, portanto, proibido de recuperá-la em seu
momento de maior generalidade, mas para tanto é preciso renunciar até
mesmo às determinações particulares, vivamente tornadas absolutas por
Hegel, tal como a Aufhebung que conserva suprimindo: a
contradição é, por sua vez, mais multiforme e, justamente, mais
concretamente universal — tal como foi aqui exposto. Em suma, tal como a
geometria não euclidiana produziu ao seu tempo, a geração do conceito
não hegeliano de antagonismo foi o passo inicial, decisivo, para uma
generalização da dialética. Com essa inovação, ela se torna
perfeitamente irredutível às suas imagens tradicionais, demasiado
estreitas, especialmente aquela que a afastava de qualquer consideração
por parte dos cientistas: a negação das constantes.
Eis
que a fundação da ciência ocidental está assentada sobre o que
Aristóteles denominou de “realidade imóvel” sob um mundo que parece
fluente, ou seja, sobre o que permanece e que compreende a própria
mudança. Agora, em face dessa característica propriamente identificante
de nossa cientificidade, a dialética sempre se afigurou como uma “lógica
da evolução”. Na verdade — e isto escapou a mais de um pensador —, a
concepção hegeliana do devir consiste mais numa gênese do que está preso
e se solta do que numa história aberta. Em consequência, a acepção
corrente da dialética acolheu o movimento da vida como o seu objeto
primordial. Toca-se, assim, certamente, uma das razões mais profundas
para o desinteresse tão difundido entre os cientistas em relação a ela:
como um pensamento da mudança pode se referir a um saber invariante?
É certo que, nas últimas décadas, a referência metodológica mais
atraente para um grande número de pesquisadores tem sido o
estruturalismo, teorização esta que privilegia o atemporal e é,
notoriamente, pouco capaz de apreender a história. Ora, esta situação
pode potencialmente ser perturbada por meio de um duplo movimento
intelectual, em forma de cruzamento.
Por um lado, a ciência
contemporânea já se convenceu de que nada da realidade pode escapar da
evolução. Como foi notado por Victor Weisskopf, “a astrofísica
introduziu uma nova dimensão na física: a dimensão histórica”, pois,
tomando essa palavra em seu sentido mais amplo, há também uma “história”
do universo. Daí a agudização de um problema epistemológico maior: como
conectar a construção racional de cenários a uma ciência baseada em
modelos? Por outro, o esboço de uma teoria tanto do não antagonismo como
do antagonismo, se ela for mesmo válida, veio fazer da dialética uma
metodologia que apreende tanto a repetição constante quanto a inovação
evolutiva; ademais — e aí está a novidade decisiva — ela sugere como
conectar no nível conceitual — ou seja, por meio da contradição — as
duas lógicas da conservação e da quebra da simetria. Assim, enquanto
termina por impor à ciência uma preocupação com a historicidade da
natureza universal, a dialética, de sua parte, descobre-se portadora de
uma lógica de invariância que esclarece, em seu fundo, a unidade
antinômica de duas figuras da realidade. Somente a ignorância em que
ainda se encontra mergulhada a dialética mascara a sua grande
contribuição ao pensamento.
A contribuição de Marx gerou outros
resultados, em especial dois, ainda de grande importância. Em primeiro
lugar, que a oposição entre o antagonismo e o não antagonismo não
significa apenas que existe uma pluralidade de modos do contraditório e
que, portanto, existe uma diversidade de dialéticas “regionais” em
função de aspectos ou áreas em consideração. Como as determinações da
realidade podem assumir maneiras infinitamente variadas, ela faz ainda
compreender que cada contradição é singular. E que, portanto, ao mesmo tempo, cada exemplar individual de uma espécie vivente é em sua essência uma
coisa única quanto ao genoma. Tem-se aqui uma mudança cardeal de
perspectiva em relação à concepção idealista das essencialidades
lógicas. Segundo estas, por meio de uma dicotomia muito simples entre o
essencial e o não essencial, a “irregularidade indeterminável” das
coisas naturais deve ser reduzida à contingência pura. Ora, a realidade
da contingência não deve dissimular a singularidade inesgotável da própria essência.
Assim, a divisão biológica em sexos faz parte de uma lógica geral de
simetria na medida em que o sexo feminino e o sexo masculino transmitem
aos descendentes a metade de seus respectivos cromossomos. Mas ela se
combina de forma única mediante uma assimetria de essência, pois, por
exemplo, o óvulo dá ao embrião a sua genética mitocondrial e sua base
celular.
A aliança específica de simetria e assimetria na
reprodução sexual também é, ademais, passível de apresentar uma
extraordinária variedade de formas temporárias ou duráveis, do
hermafroditismo e da partenogênese, por meio de uma variedade de
“peculiaridades razoáveis”. Outro exemplo: Darwin comparou a competição
entre as espécies em um espaço limitado a “uma área coberta por dez mil
pontas afiadas”, onde aqueles que aí penetram mais profundamente
“provocam a expulsão dos menos cravados”. De maneira figura, ele
identificou assim uma modalidade original de contradição que podemos
nomear de pseudo-antagonismo: duas existências não incompatíveis em si
mesmas passam a se excluírem uma a outra porque as limitações externas
induzem que se desenvolvam de um modo antagônico. Aflora aqui toda
complexidade das relações, de certo modo fundamentais, entre
determinações de essência e especificações conjunturais. Estas breves
indicações sobre questões imensas podem ao menos dar uma ideia do
sentido da investigação que enfrente a aporia fundamental apresentada
por Aristóteles: como não há ciência senão do universal e dado que o
real é sempre singular, como essa ciência — perguntou ele — pode
alcançá-lo? O que Marx repetiu reivindicando uma racionalidade capaz de
reproduzir por meio da generalidade dos conceitos e das leis “a lógica
própria do próprio objeto”. Não se trata aqui do novo tipo de ciência
que é solicitada por um mundo tão rico de história singular quanto de
universalidade invariante?
A inversão materialista transforma
também — e deve transformar — a fisionomia mesmo do movimento dialético.
Segundo Hegel — para dizer resumidamente o que muitos dizem por meio de
longas análises — esse movimento é, essencialmente, um processo
interno, necessário e finalista. Sem dúvida, estes termos são aqueles
por meio dos quais se compreende os complexos dialéticos do interno e do
externo, do necessário e do contingente, do fim e do meio.
O
processo dialético em seu fundo não deixa de ser “automovimento interno”
que opera em virtude de uma “necessidade imanente”, a qual o conduz,
desde o início, à realização do Espírito, tal como o gérmen, de maneira
ideal, “contém já em si mesmo a planta inteira”. Nesse ponto, em
particular, é encontrada a razão da tenaz hostilidade em relação à
dialética hegeliana, compreendida esta de modo simplista, mas também não
sem motivo, como doutrina comum e constante do progresso por si mesmo,
infalível e programado. Tal visão do desenvolvimento não pode subsistir
enquanto tal na perspectiva aberta por Marx. A transição para uma
dialética materialista pressupõe uma primeira reavaliação do externo — e
não somente da “exteriorização” do interno. Pois, precisa considerar
também a prévia existência do mundo exterior a que a coisa pertence já
que várias lógicas aí existentes tendem a se interiorizar nela própria
como sua própria característica. Desse modo, a lógica que move
essencialmente uma dada realidade é tanto externa como interna.[9]
Devemos
reconsiderar também, em princípio, a dialética do necessário e do
contingente, pois esse segundo termo deve ser reconhecido não apenas
como o elemento meramente fortuito sob o qual o necessário se torna
efetivo: eis que a contingência afeta o necessário no mais fundo de sua
essência. Isto ocorre, por exemplo, por meio de um intricado de
requisitos conflitantes, imprevisíveis enquanto tais, mas que, atuando
de modo recíproco, manifestam-se mediante o acúmulo de vastas
necessidades fortuitas, de um modo que a contingência é assim suprimida.
É necessário ainda, sem esquecer nada ainda da lição de Hegel sobre a
finalidade interna, purgar a concepção de mundo de qualquer
providencialismo tanto profano quanto sagrado. O afloramento natural dos
significados na complexidade vivente e pensante deve ser tomado como é:
uma prova muito local, mas ainda assim muito significativa, da
capacidade da matéria de produzir inintencionalmente o intencional, o
que desse modo dá uma prova surpreendente da dialeticidade própria da
natureza.
Sem perder nem o seu prestígio nem a sua fecundidade
como figura prototípica, a dialética hegeliana, quando é interpretada de
maneira específica e em termos materialistas, não tende então a
aparecer concretamente como lógica regional de processos naturais ou
espirituais de ordem ontogenéticos, operando ao lado de outros com
características muito diferentes? Desse modo, começará a se configurar
uma dialética de universalidade mais credível, ou seja, uma teorização
mais robusta que supera a antiga estreiteza e é capaz de trazer
benefícios ao conhecimento atual. Tal dialética certamente não recusará o
determinismo de larga escala, os processos cumulativos de longo prazo,
por meio dos quais a coerência aparece no mundo, mas ela recusará
esvaziar, mantendo o seu nome próprio, a onipresença do acaso no coração
da necessidade, os efeitos em cadeia que Murray Gell-Mann chamou de
“acidentes congelados”, que são fontes inesgotáveis de singularidades e
irreversibilidades históricas.[10] Desse modo, será possível limpar a “ciência da lógica” de um teleologismo global imaginário, sem abolir assim racionalidade.
Marx
não se encontra ele mesmo, afinal, fortemente envolvido nessa
secularização da dialética? Apesar de seu “não” irrevogável ao idealismo
fabulador, à ideologia ingênua do progresso, às interpretações
finalistas a posteriori, apesar de sua visão inovadora de leis puramente
de tendência, de sua compreensão daquilo que faz com que o
desenvolvimento seja sempre desigual, de seu senso agudo sobre o peso
das circunstâncias, ele ainda permaneceu muito perto de Hegel. Marx não
racionalizou em demasia o movimento histórico e subestimou o alcance do
contingente? Também Engels provavelmente não fez o mesmo em suas
reflexões gerais sobre a natureza? Problema enorme que o nosso propósito
aqui [bem modesto] recomenda não enfrentar. O que pode ser dito nesse
momento, em qualquer caso, é que a inversão materialista contém, em seu
princípio, o requisito essencial de uma dialetização sem limites das
contradições que se oferecem à sagacidade investigadora dos cientistas e
dos filósofos.
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Referências:
[0] Seção do livro Sciences et dialectiques de la nature. Tradução de Eleutério Prado.
[1] Platão, Le sophiste.
[2] L. Colletti, Le déclin du marxisme.
[3] Idem.
[4] Idem.
[5] Lembremo-nos que, para Hegel, subsumir (aufheben) significa, ao mesmo tempo, suprimir, conservar e elevar.
[6] Hegel não consagra menos do que cinco páginas ao exame desse ponto. [...]
[7] Nesse sentido, não se pode deixar de dar razão a J.-M. Lévy-Leblond quando escreve que a “oposição numérica banal” do elétron e do pósitron, por exemplo, “não implica numa antinomia conceitual. São, isto sim, noções abstratas que definem pares de contrários, noções estas que se fundem próximo à experiência concreta.” Porém, não escamotear a carga de objetividade que portam as contradições entre “noções abstratas”.
[8] Hegel, ele próprio, fala em “exposição genética do conceito”. Se assim é, compreende-se melhor porque os cientistas, tendo em vista a dialética interna do engendramento progressivo de um sistema teórico, de modo intuitivo, se sentem capazes de fazer referência a Hegel e não a Marx.
[9] Há certamente em Hegel toda uma dialética do Uno e do Múltiplo. Mas é o uno que se multiplica, de sorte que a essencialidade que encobre o externo fica desconhecida: a multiplicidade, sublinha ele, “não é uma determinação exterior ao Uno.
[10] Murray Gell-Man, Le Quark et le jaguar.
SÈVE, Lucien. Sciences et dialectiques de la nature. Paris: La Dispute, 1998.
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