quinta-feira, 29 de julho de 2021

Maoísmo: uma crítica vinda da esquerda

 
por Prasenjit Bose
 
Introdução

Ao passo que o debate sobre a violência dos esquerdistas extremos e a ofensiva do estado contra tal se intensifica na Índia, a opinião pública tende a se polarizar progressivamente. De um lado estão aqueles que consideram o PCI (Maoísta) como um destrutivo grupo terrorista, muito parecido com o islâmico Lashkar-e-Taiba (LeT) ou o separatista Força da Libertação Unida de Asom (ULFA), que tem de ser esmagado pelo poder militar do Estado. No outro lado tem aqueles que veem os maoístas como uma força revolucionária, lutando pela causa dos explorados e marginalizados e justificando seus atos de violência como um mal necessário na busca pela mudança radical da sociedade. Um pequeno esforço é feito, entretanto, de ambos os polos, para mergulhar mais fundo na questão do extremismo esquerdista, na Índia ou em qualquer lugar, buscando entender suas atividades atuais nos termos de sua base ideológica, raízes sociais e origens históricas

Muitos na direita consideram isso um exercício infrutífero, porque eles veem todo esforço para analisar as raízes das causas do extremismo e terrorismo como uma expressão de empatia, que confere legitimidade à causa extremista. Tal abordagem direitista leva a uma imprudência, tão vividamente demonstrada pela “Guerra ao Terror” de George Bush. Isto não apenas levou a uma indesculpável criminalidade na forma de invasões e ocupações imperialistas, morte e tortura de inocentes e destruição de sociedades inteiras; como também singularmente falhou em combater o extremismo e o terrorismo. Ao invés, a causa extremista em si recebeu um ímpeto mundialmente.

Alguns na esquerda, contudo, vão para o outro extremo, especialmente em relação ao extremismo esquerdista. Enquanto muito poucos explicitamente vêm expondo ou defendendo a ideologia maoísta, há uma tendência entre outros seja para romantizar ou negligenciar a sua estúpida violência e para, unilateralmente, repreender o Estado por suas ações de segurança pública. Essa tendência por tolerar atos de terror ou glorificar a violência em nome do radicalismo – mesmo aquela direcionada contra pessoas inocentes e não contra o Estado – é inteiramente oportunista. Marx, escrevendo no contexto das raízes filosóficas da religião, disse: “ser radical é extrair a raiz da matéria”.[1] A celebração do extremismo esquerdista surge precisamente da incapacidade ou mesmo da falta de vontade de alguns pensadores de “extrair a raiz da matéria” e assim confundir forma com conteúdo.

O presente volume, que reúne três ensaios, analisa a questão do extremismo esquerdista por uma análise marxista. Sectarismo de esquerda, aventurismo e dogmatismo, como fenômenos, não são nem fenômeno novo nem específico da Índia. Esta coleção de artigos não apenas critica a sua manifestação contemporânea na Índia na forma do PCI (Maoísta), mas também traça as suas origens e registros históricos, tanto no contexto da Índia como também internacionalmente, para mostrar o sectarismo de esquerda pelo que é: um caminho a lugar nenhum. Mas não é apenas uma tendência inócua, que sobrevoa a esquerda de tempos em tempos. Historicamente, o sectarismo de esquerda tem sido muito contraprodutivo e retém o potencial de seriamente danificar a expectativa da esquerda em relação ao futuro. O presente volume, então, busca contribuir para com a luta político-ideológica contra o sectarismo de esquerda, ao expor sua errônea fundamentos teóricos e suas práxis distorcida.

I

O trabalho de Lênin de 1920, Esquerdismo: a doença infantil do comunismo, é um clássico nas lutas internas e debates ideológicos no movimento internacional comunista do início do século 20. Lênin identificou duas tendências que eram inimigas dos interesses do movimento da classe trabalhadora: “oportunismo”, que se desenvolveu no social-chauvinismo e definitivamente se posicionou ao lado da burguesia, e “revolucionarismo pequeno-burguês”, com traços de anarquismo, ou toma algo emprestado dele e, em tudo que é essencial, não calcula as condições e requisitos de uma consistente luta da classe proletária.[2] Na segunda tendência Lênin elaborou:

Um pequeno-burguês levado ao frenesi pelos horrores do capitalismo é um fenômeno social que, como o anarquismo, é característico de todos os países capitalistas. A instabilidade de tal revolucionarismo, a sua esterilidade, e sua tendência de rapidamente se transformar em submissão, apatia, ilusão e mesmo um frenesi passional com uma ou outra mania burguesa – tudo isso é de conhecimento comum. Porém, um reconhecimento teórico ou abstrato destas verdades não se livra dos erros antigos dos partidos revolucionários, os quais sempre surgem em ocasiões inesperadas, em algumas formas novas, em uma roupagem até então desconhecida, em uma incomum – mais ou menos incomum – situação.

O anarquismo não raramente foi um tipo de punição para os pecados oportunistas do movimento da classe trabalhadora. As duas monstruosidades se complementam entre si.

As anotações de Lênin sobre o “comunismo esquerdista” contêm quatro cruciais conclusões, que não apenas foram acertadas no específico contexto em que foram criadas mas têm permanecido válidas para o movimento comunista. Primeiramente, o sectarismo de esquerda é um reflexo da perspectiva da pequena-burguesia, em contraste com uma consistente perspectiva do proletariado. Segundamente, é instável, no sentido que aparece como uma tendência dentro do movimento, atinge seu auge, e então se dissipa num curto espaço de tempo. Em terceiro, apesar de ser instável, se repete dentro do movimento de tempos em tempos em certas conjunturas, uma vez que a base social para tal extremismo sempre existe em sociedades capitalistas. E em quarto lugar, frequentemente aparece como um castigo para os crimes oportunistas no movimento da esquerda, e complementa ideológica e politicamente tal oportunismo.

A posição “nua e crua” de Lênin sobre o sectarismo de esquerda é enunciada ao citar diversos exemplos concretos de instâncias nas quais os bolcheviques tiveram que travar uma batalha contra o revolucionarismo pequeno-burguês, tanto interna quanto externamente ao partido (com o Partido Socialista Revolucionário). Por exemplo, o sectarismo de esquerda teve de ser combatido na questão da avaliação estritamente objetiva das forças de classe e seu alinhamento, antes de tomar qualquer ação política. Isto é vital para o movimento comunista, porque superestimar a sua própria força e subestimar a força do inimigo inevitavelmente leva a ações aventureiras e contratempos.

À época havia a questão da violência e terrorismo individuais, os quais extremistas de esquerda consideraram ser o marco essencial do revolucionarismo. Lênin constata que isto era algo que os marxistas enfaticamente rejeitavam, não porque marxistas se opunham à violência “enquanto princípio”, mas porque isto não era conveniente o tempo todo. Em essência, o contexto no qual os comunistas usam a violência tem que ser bem específico – Lênin cita a violência durante a revolução francesa ou empregada por “um partido revolucionário vitorioso que está sitiado pela burguesia do mundo inteiro”. Ser um marxista revolucionário certamente não implica apoiar a violência per se.

Lênin também sublinhou a necessidade de lutar contra a inclinação dos sectários esquerdistas de “zombar dos comparativamente insignificantes pecados oportunistas … enquanto eles mesmos imitaram os extremos oportunistas”. Isto é precisamente como a extrema esquerda complementa tendências oportunistas no movimento comunista. Batalhas contra o desvio esquerdista foram conduzidas inclusive no partido bolchevique, sobretudo, na questão da participação num parlamento “predominantemente reacionário”. Lênin cita que os esquerdistas bolcheviques tiveram que ser expulsos do partido em 1908 por “teimosamente se negar a entender a necessidade de participar de um parlamento predominantemente reacionário”, em um tempo que a situação demandou que o partido combinasse atividades “legais e ilegais”.

É digno de nota que as questões centrais nas quais o movimento revolucionário da Rússia testemunhou uma intensa luta político-ideológica entre bolcheviques e extrema-esquerda nas décadas iniciais do século 20 – na avaliação correta da correlação de forças das classes em um dado momento, na violência e terrorismo individual, na participação comunista no parlamento burguês, etc. – ressurgiu outras vezes em diferentes países durante o século 20, aonde o movimento comunista se mostrava significante. Mesmo hoje, estes ainda são os problemas, os quais delimitam as diferenças básicas entre o comunismo e tendências sectárias de esquerda.

II

O movimento comunista na Índia se iniciou nos panos de fundo da luta por liberdade na década de 1920. Enquanto os comunistas não conseguiram sucesso em tomar a liderança do movimento por independência do colonialismo inglês, desempenharam um importante papel em grande parte da classe trabalhadora e campesinato no âmbito do movimento e influenciando sua direção geral. Seguindo-se a independência, junto com o emergir do Partido Comunista como a maior força de oposição no Parlamento democrático estabelecido, debates ideológicos também se intensificaram na esquerda pelo caminha da revolução na Índia. O debate inicial surgiu acerca da aproximação programática do movimento comunista, especialmente em relação à caracterização do Estado indiano e a estratégia revolucionária a ser adotada.

De um lado deste debate estavam aqueles que consideravam o independente Estado da Índia como único, sendo liderados pela burguesia nacional, que era consistentemente anti-imperialista e tinha um caráter antifeudal. De uma caracterização progressista do “socialismo Nehruviano”, seguiu-se que os comunistas tinham que necessariamente limitar sua estratégia revolucionária aos esforços do Estado liderados pela burguesia nacional, o que eventualmente levaria, depois de vários estágios transitórios, ao socialismo. Este colaboracionismo de classe e compreensão revisionista foram desafiados por uma seção significativa do Partido Comunista, o que levou a uma intensa disputa interna durante a década de 1950 e um eventual racha no Partido Comunista da Índia em 1964.

O Partido Comunista da Índia (Marxista), formado em 1964, chegou a um entendimento programático de que o Estado indiano é um Estado latifundiário-burguês liderado pela grande burguesia, que tem um caráter dual. De um lado ela colabora com o imperialismo em perseguir o desenvolvimento capitalista, enquanto de outro ela luta contra o imperialismo para poder preservar e expandir seus domínios econômicos, o que pretende resolver por pressões, barganhas e compromissos. É este caráter dual que é expressado nas políticas econômicas e de relações exteriores realizadas pelo Governo Central. Na base desta caracterização das classes dominantes e do Estado indianos, uma estratégia revolucionária de construir uma frente democrática do povo – uma aliança entre trabalhadores, camponeses e outras seções de trabalhadores sob a liderança do proletariado – foi anunciada. A revolução, direcionada contra a grande burguesia, latifundiários e o imperialismo, será exitosa combinando lutas parlamentares e extraparlamentares. Esta compreensão total, contudo, foi questionada por uma pequena seção, que considerou a participação no processo parlamentar democrático – assim como os sectários de esquerda no período leninista – como revisionista e não-revolucionária em princípio.

Tais tendências a desvios esquerdistas sempre se fizeram presentes no movimento comunista da Índia. Isso emergiu vividamente logo após a independência, levando a erros como caracterizar a independência política como “independência formal” e chamando por insurreição armada contra o novo Estado independente. Estes, porém, foram corrigidos logo em seguida e os comunistas participaram das primeiras eleições gerais da Índia independente em 1952. No fim da década de 1960, contudo, sectários esquerdistas reapareceram na cena. Esse foi o período em que as lutas por terra sob a liderança comunista estavam ganhando momentaneamente em Bengala do Oeste, atraindo grandes partes do campesinato. O Congresso estava perdendo terreno, e depois das eleições de 1967 para a assembleia estadual, o primeiro Congresso a não ser da Frente Única de Governo foi formado em Bengala do Oeste, no qual o PCI (M) participou. No mesmo ano, elementos da extrema-esquerda que se opuseram à participação do PCI (M) nas eleições, causaram uma revolta violenta do campesinato em Naxalbari no distrito de Darjeeling, em Bengala do Norte, e fizeram um chamado por insurreição armada para derrubar o Estado.

De maneira significante, o Partido Comunista Chinês (PCC), que havia caído nas garras do sectarismo de esquerda durante esse período – culminando na “revolução cultural” – abertamente apoiou os aventureiros de esquerda na Índia. O “Diário do Povo”, o órgão oficial do PCC, publicou um editorial em 5 de julho de 1967, de nome “A Primavera Trovejante rompe por toda a Índia”, no qual apoia a revolta de Naxalbari porque “a luta armada é o único caminho correto para a revolução na Índia… a faísca em Darjeeling começará um fogo de pradaria”. Encorajados por tais prognósticos e prescrições, os naxalitas na Índia “compraram no atacado” a estratégia da revolução chinesa desenvolvida nas décadas de 1930 e 1940, junto com os conceitos e fórmulas do PCC do Estado e sociedade indianos elencados no final dos anos 1960. Eles fizeram de tudo para se retratar com os “porta-bandeiras” da linha chinesa, até mesmo cunhando o slogan: “O presidente chinês é o nosso presidente, o caminho chinês é o nosso caminho”. Quando o PCI (ML [Marxista-Leninista]) foi formado em 1970, seu programa considerou:

A revolução democrática na Índia está acontecendo na era de Mao Zedong, quando o imperialismo mundial está caminhando a um total colapso e o socialismo está avançando à sua vitória mundial. A nossa revolução é parte da grande revolução cultural proletária que tem consolidado o socialismo e a Ditadura do Proletariado na China e tornado a mesma a base confiável para a revolução mundial. A nossa revolução está acontecendo em um tempo… em que o PCC é liderado pelo Presidente Mao, e o Vice-Presidente Lin Piao está elevando o proletariado internacional a cumprir sua tarefa histórica de emancipação da humanidade das correntes do imperialismo e da reação, e consolidação do socialismo e comunismo nesta Terra. Nós somos o contingente deste grande exército do proletariado internacional (ênfase dada).

Portanto, desde sua origem, os sectários esquerdistas na Índia tem acreditado que uma teoria da revolução basta – a que imita o caminho chinês. Eles nunca sentiram a necessidade de seriamente engajar com a sociedade indiana, entender suas realidades socioeconômicas e suas especificidades históricas e culturais. Eles descartaram a experiência do movimento comunista indiano durante a luta por libertação colonial, assim como no período pós-independência. Mais importante, eles erraram o cálculo da correlação de forças das classes e leram errado o sentimento das massas. O dogma deles era simples: a situação está sempre madura para uma revolução, e se a revolução aconteceu na China seguindo um certo caminho, a única coisa que precisamos fazer é emular este caminho na Índia a todos os custos.

A loucura naxalita, em se apoiar em tal “tutorial” de como se fazer uma revolução e tentar cegamente imitá-la, se tornou amplamente clara em um período muito curto. As rebeliões armadas levadas pelos aventureiros de esquerda em alguns bolsões rurais de Bengala do Oeste e Andhra Pradesh foram ambos esmagados pelo Estado ou fracassaram, entre 1970 e 1971. Não apenas seus slogans fantasiosos falharam em aproximar os camponeses, como sua estúpida violência e terrorismo individual alienaram as massas. As tentativas de espalhar anarquia nas áreas urbanas em nome da “revolução cultural” isolaram ainda mais eles e convidaram mais a repressão estatal. Ao tempo da morte de seu líder Charu Mazumdar em custódia policial em 1972, a “primavera trovejante” terminou em lágrimas.

O PCC percebeu em 1970 que o movimento naxalita na Índia estava indo a lugar algum e estava se transformando em uma vergonha. É reportado que o PCC enviou uma nota para Charu Mazumdar expressando suas considerações acerca das atividades do PCI (ML) em algum momento entre 1970 e 1971.[3] As principais críticas feitas pelo PCC se direcionaram contra a descrição de Mao Zedong como “presidente da Índia”, assassinatos secretos, esvaziamento do critério para o fervor revolucionário de um membro, ignorância ao trabalho e luta das massas, confusão das táticas militares com questões políticas e organizacionais, e entendimento errado da tática de frente única. Entretanto, o dano já estava feito.

III

A falência do movimento naxalita na Índia nos anos 1970 levou a alguma reflexão por partes daqueles que participaram ativamente, mas a fraqueza das de seus fundamentos teóricos e conceitos vieram na forma de uma significativa introspecção e correção de rumo. Mudanças importantes no próprio PCC em 1970, especialmente depois da morte de Mao Zedong, e o erro da revolução cultural finalmente os encerraram em 1978. A estrutura do PCI (ML) era tão dependente e frágil que não podia manejar tais mudanças, eventualmente levando a inúmeros rachas entre as décadas 1970 e 1980.[4]

Na prática, o principal debate entre os naxalitas sempre foi se suas atividades deveriam se basear na aniquilação individual de “inimigos da classe” ou na reorientação do seu trabalho, priorizando atividades de massa e participando do processo democrático. Alguns grupos naxalitas, como o PCI (ML) Libertação e o PCI (ML) Nova Democracia, eventualmente abandonaram a luta armada e se integraram ao processo democrático parlamentar. De qualquer jeito, outros grupos como o PCI (ML) Guerra Popular e o Centro Comunista Maoísta continuaram com suas táticas violentas e eventualmente se fundiram em 2004 para formar o PCI (Maoísta). O programa do PCI (Maoísta), que está na vanguarda do extremismo esquerdista na Índia hoje, prevê como sua tarefa central, a “convulsão do poder político por meio da luta armada”; um retorno ao antigo caminho chinês.

A experiência do movimento comunista da Índia já demonstrou a futilidade de uma perseguição cega da luta armada contra o Estado indiano. Num contexto onde a democracia parlamentar se enraizou, recorrer à luta armada sem esgotar o potencial da mobilização de massas na democracia estabelecida, não só falha em seu objetivo como também afasta as massas. Para além disso, a atual realidade socioeconômica, na Índia e além, estão muito diferentes da situação nos anos 1960 e 1970, quando o socialismo existiu como a maior força contrária ao imperialismo. Nós estamos numa era onde o imperialismo financeiro internacional domina economicamente, militarmente e culturamente, pondo desafios maiores ao movimento comunista.

As políticas de esquerda têm sofrido uma mudança globalmente, especialmente desde a queda da União Soviética, com novos problemas de democracia, participação popular e justiça social adquirindo uma maior importância. A necessidade de renovar e enriquecer a noção de socialismo foi sentida pela esquerda, principalmente por comunistas ao redor do mundo, para se manter junto às mudanças momentâneas que ocorreram nas últimas duas décadas. Alguns partidos com um passado de extrema-esquerda têm se engajado seriamente com estas questões, mais notavelmente os Maoístas Nepaleses, e se reposicionaram dentro do processo democrático. Para os sectários da esquerda contemporânea da Índia, porém, as respostas para tais questões é fundar guerras de guerrilhas e “zonas libertadas”.

As atuais atividades do PCI (Maoísta), em seus bolsões de existência nas áreas florestais remotas na região centro-leste da Índia, suporta a decomposição que inevitavelmente segue-se ao dogmatismo. A típica tática dos maoístas tem sido construir suas bases em florestas próximas a terras tribais e estabelecer seu controle pela força das armas, eliminando ou aterrorizando todos os outros partidos políticos e organizações tribais até que se submetam. Os maoístas não acreditam em organizar as tribos para exercitar os seus direitos pela terra e recursos naturais ou pelo desenvolvimento socioeconômico.[5] O seu único objetivo é estabelecer as chamadas “zonas libertadas”, onde a entrada de todo ator, governamental ou não, é proibida pela força e não é permitida nenhuma atividade política que não sejam as suas. Estas “zonas libertadas” são então usadas para lançar ataques armados em outras áreas contra o maquinário do Estado, não apenas contra estações de polícia e postos avançados paramilitares, mas frequentemente mirando em trilhos de trem, estradas, estações de energia, facilidades de telecomunicações e mesmo escolas e centros médicos. Oponentes políticos são frequentemente executados depois de julgamentos desonestos e nomeando-os “informantes da polícia”. A extorsão de empreiteiras florestais e da máfia da mineração é o principal meio de financiamento dessas atividades. Tal anarquismo niilista se perpetuou em nome da “Guerra Popular”, e a eventual retaliação pelo Estado, trazem imenso sofrimento para as tribos e outros habitantes das florestas, quebrando suas vidas e seus meios de subsistência.

Mesmo que a questão maoísta chame por boicote às eleições, eles forjam negócios secretos com líderes individuais e candidatos de partidos políticos da burguesia durante as eleições e votam nestes em troca de dinheiro, proteção e patrocínio. Isso aconteceu repetidamente em Bihar, Jharkland, Orissa e mais recentemente em Bengala do Oeste. Eles também assassinaram representantes eleitos de diferentes partidos políticos em favor de seus rivais. Por exemplo, o líder do Jharkhand Mukti Morcha (JMM), Sunil Mahato, foi morto em Gatshila pelos maoístas em março de 2007. Eles também tentaram assassinar o ex-Ministro Chefe Andhra Pradesh em 2003 e o Ministro Chefe de Bengala do Oeste em novembro de 2008.

É digno de nota que as formações de quadro da esquerda, especialmente o PCI (M) – pertencendo majoritariamente à classe trabalhadora e aos setores oprimidos – são especificamente alvos do PCI (Maoísta) e assassinados frequentemente. Eles veem a presença de uma força significante de esquerda no cenário da Índia e seu sucesso como um grande impedimento em avançar sua estratégia extremo esquerdista. Enquanto a esquerda como um todo tem de atravessar um longo caminho para eventualmente para lograr êxito em seu objetivo revolucionário na Índia, a mesma desempenhou um consistente e importante papel na defesa dos direitos das pessoas e aprofundando a democracia. Nas últimas duas décadas a esquerda surgiu como o centro político-ideológico de resistência e luta contra o comunalismo [se refere à tática descrita dos maoístas], politicas neoliberais e o imperialismo se construiu. Os governos de esquerda, apesar de seus poderes limitados, tem conseguido implementar politicas pró-povo como a redistribuição de terras e a descentralização democrática, que beneficiou o campesinato e os trabalhadores e expandiu a atração das massas pela esquerda. Tudo isso é uma maldição para os sectários esquerdistas.

Muito da violência atual deles é direcionada contra a própria esquerda, especialmente contra o PCI (M) na fortaleza em Bengala do Oeste. Nenhum partido político em lugar algum da Índia perdeu tantos militantes e apoiadores para o terror maoísta quanto o PCI (M) em Bengala do Oeste desde 2008. O que é pior, este caos está sendo conduzido em conjunto com a principal oposição de direita à Frente de Esquerda em Bengala do Oeste, o Congresso Trinamul, com a mira apoiada em trazê-los ao poder no estado nas eleições para a assembleia de 2011. Esta conspiração da direita reacionária de conseguir pontos com a esquerda comunista marca o clímax da decomposição dos maoístas na Índia.

IV

O presente volume visa fazer uma intervenção neste cenário. Todos os assuntos contidos neste volume tratam do sectarismo de esquerda, com dois focos, no PCI (Maoísta) na Índia e na experiência internacional do aventurismo esquerdista. O primeiro tema tratado por P. M. S. Grewal é uma crítica teórica do entendimento programático dos maoístas indianos. Grewal revisita os debates anteriores no movimento comunista indiano, traçando as origens do sectarismo esquerdista, para mostrar como os maoístas atuais continuam prisioneiros de antigos dogmas no que se refere ao Estado e sociedade indianos bem como o caminho revolucionário. Ele expõe a lacuna teórica dos maoístas e quebra o mito deles serem uma força revolucionária lutando pela causa das tribos nativas e outros setores explorados. A última parte provém informações detalhadas dos recentes ataques maoístas ao PCI (M) e a esquerda em Lalgarh e em outros lugares.

Nilotpal Basu complementa a análise de Grewal, observando a errônea abordagem dos maoístas, que nega o princípio basilares do marxismo-leninismo. Basu argumenta que a grandiosidade de Mao Zedong repousa principalmente na sua aplicação criativa do marxismo às condições concretas da sociedade chinesa nos anos 1930 e 1940 e não na implementação mecânica da linha da Internacional Comunista em como realizar a revolução na China. Em contraste, os maoístas indianos procuram reencarnar a revolução chinesa nas condições da Índia contemporânea, que são muito diferentes das condições da China pré-revolucionária. O resultado farsesco é a pura antítese do pensamento de Mao Zedong. Basu faz uma densa crítica das práticas antidemocráticas dos maoístas e seus simpatizantes hipócritas. Também argumenta que os maoístas podem ser combatidos de forma eficaz, não apenas por proibições ou medidas de restrições, mas garantindo seu isolamento político e atendendo às necessidades de desenvolvimento das áreas tribais onde eles operam.

Vijay Prashad observa a experiência internacional do extremo esquerdismo, especialmente na América Latina. Por meio de exposições muito informativas do grande desenvolvimento político da esquerda em países como Venezuela, Brasil, Cuba, Peru e Colômbia. Prashad argumenta que as realidades atuais não favorecem mais as “Guerra de Guerrilhas” e contrasta a falência da luta armada em país após país com a bem-sucedida “longa marcha pelas instituições” pela esquerda latino-americana, e conclui que o caminho adiante para a esquerda se baseia na mobilização de massas e não nas armas. A discussão dos maoístas no Peru e nas Filipinas é particularmente relevante no contexto da Índia uma vez que demonstra tendências similares no extremo esquerdismo, levando a resultados muito igualmente destrutivos.

Nós também reproduzimos como um anexo, trechos de um documento do PCI (M), “Debate Ideológico Resumido”, que foi publicado pela primeira vez em junho de 1968. Este documento lança luz em debates ideológicos no movimento comunista na Índia nos anos 1960. Os trechos relevantes do documento aqui reproduzido lidam com as questões ideológicas elencadas pelos naxalitas – seja que a independência da Índia foi meramente “formal”, seja que a grande burguesia da Índia era “compradora”, seja que o Estado era “neocolonial” e “fantoche” do imperialismo, seja em adentrar o processo democrático parlamentar e participar em governos de coalizão nos estados. O documento serve como uma apropriada fundação histórica para a crítica marxista do atual sectarismo esquerdista na Índia. Ele contém uma importante e duradoura visão – que o caminho para a revolução na Índia nunca será o caminho chinês ou mesmo o caminho russo, mas um distinto caminho da própria Índia.

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Notas:
[0] Introdução publicada originalmente no portal Red Diary [2010]. Tradução de Túlio Lisboa, Traduagindo.
[1] Karl Marx, Introdução a uma contribuição para a crítica da filosofia do direito de Hegel, 1844.
[2] A discussão aqui é baseada no capítulo “A luta contra os quais os inimigos dentro do movimento da classe trabalhadora ajudaram o bolchevismo a se desenvolver, ganhar força e a se fortalecer”.
[3] Ver Biplab Dasgupta, The Naxalite Movement, Allied Publishers, 1974. No Capítulo 7 (p. 195) Dasgupta refere-se a uma nota interna enviada por Ashim Chatterjee intitulada ‘Bartaman Partyr Kajer Sar Sankalan’ (em bengali), onde acusa Charu Mazumdar de suprimir a nota do CPC porque continha críticas às suas políticas. Posteriormente, os pontos principais da nota chinesa circularam entre os membros do PCI (ML) em uma carta assinada entre outros por Kanu Sanyal e C. Tejeswar Rao.
[4] Para uma discussão detalhada sobre a base político-ideológica da fragmentação dos naxalitas nas décadas de 1970 e 1980, consulte Prakash Karat, “Naxalismo hoje: no fim da linha ideológica”, The Marxist, janeiro-março de 1985.
[5] Por exemplo, os maoístas permaneceram visivelmente ausentes nas lutas para defender os direitos florestais dos tribais travadas por várias organizações democráticas ao lado dos comunistas, o que acabou levando à promulgação da Lei dos Direitos Florestais Tribais no parlamento indiano em 2006. Além disso, ao contrário do final dos anos 1960, quando os naxalitas tentaram organizar revoltas camponesas tribais, os maoístas contemporâneos não têm absolutamente nenhum interesse em organizar o campesinato, seja contra os proprietários de terras ou contra as políticas anti-camponesas do estado.
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