terça-feira, 22 de julho de 2014

Poemas sobre a classe operária: As Duas Jornadas (ou O Momento Mais Feliz do Dia)


As duas jornadas (ou o momento mais feliz do dia)
Paulo Ayres

Faço e refaço o movimento num ciclo que não parece ter fim
Há dias que a hora voa, mas hoje não é um desses dias
Faço e refaço o movimento num ciclo que não parece ter fim
Não sei se hoje estou morto de cansaço, só sei que não estou nada bem
Estou enfastiado. Palavra.
Parado no mesmo lugar por tanto tempo
Faço e refaço o movimento num ciclo que não parece ter fim
Uma nuvem de dispersão me deixa ensopado
Antes fosse o suor do meu rosto, mas é mais do que goteiras na minha tez pálida
É preciso calcular bem o momento de viajar sem sair do lugar
Tipo assim, como...
Faço e refaço o movimento num ciclo que não parece ter fim
Se em cada produto deste está um pedaço de mim, meu descontentamento vai para longe
Quem sabe um estado lá do outro lado do país
Ah, sim, ele pode viajar depois, agora quem viaja sou eu
Faço e refaço o movimento num ciclo que não parece ter fim
Puxa vida, será que hoje chove de verdade?
Bem no horário da saída...
Pouco importa para quem já está com um nuvem em cima de si mesmo, porém...
Faço e refaço o movimento num ciclo que não parece ter fim
Na meia hora final parece que cada minuto vale por dois
Minto. No mínimo, três, pelo menos na segunda metade
Faço e refaço o movimento num ciclo que não parece ter fim
Cinco minutos
Faço e refaço o movimento num ciclo que não parece ter fim
Que alívio... a chuva está parando...
Faço e refaço o movimento num ciclo que não parece ter fim
Raios de sol se aproximam
Faço e refaço o movimento num ciclo que não parece ter fim
Pode ser que vários sorrisos sejam contagiosos, mas aquele, aquele tem um significado especial
Faço e refaço o movimento num ciclo que não parece ter fim
Ah vai, essa é a última... pelo menos uns minutinhos finais eu tenho que ganhar
Faço e refaço o movimento num ciclo que não parece ter fim
Máquina desligada
É possível sentir a mesma sensação. Somos apenas um ali dentro?
O cartão no ponto me lembra que somos seres singulares
Eu tenho nome
Eu tenho uma vida
Ou pelo menos acho que tenho
Raios de sol vão me acompanhar durante minha nova jornada
Não importa que minha casa é longe
Não importa que eu vá a pé
Não importa que eu tenho contas a pagar
Não importa que outras nuvens carregadas me encontrem depois
Que se dane!
Nessa outra jornada, pelo menos nela nada importa
Serão minutos em que eu contemplarei o céu casto e aconchegante
Faço e refaço o movimento num ciclo que não parece ter fim
De segunda à sexta
Mas durante esses minutos, desfruto meu breve respiro zen
O momento mais feliz do dia.
= = =

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