Para uma ontologia dialética do proletário observador
Paulo Ayres
Eu operário, chego no horário
Mas sempre me sinto atrasado
A vida, percebida no seu escorrer
Está a dez milhas a frente
De repente, já me vejo com quarenta anos
Boa parte desse tempo, eu estava ligado no duzentos e vinte
Não me lembro quando surgiram os primeiros fios brancos
A máquina desgastada recebe manutenção
Meu corpo usado não tem restaurador que reforme
Muita vida escorreu pelo suor e encarnou nas mercadorias
Vejo uma linha reta e monótona até a tumba
Desaparecerei e o mundo permanecerá o mesmo
Fui apenas uma lenha a mais numa fogueira que não entendo
Eu poderia ter feito tanto coisa bacana na vida
Me sinto um esboço de ser humano
São tempos confusos
Mas algo em mim resiste até a foice da senhora inevitável
Inabalado
Olho para o lado e vejo um companheiro de trabalho
Sou eu mesmo ali
E na outra máquina, tem outro
E outro
Há muitos e muitos de mim fora de mim
Agora pude entender que permanecerei aos ventos fortes
A classe é o operário formado por todos os operários
Que existiram e existirão
Porém, ela também envelhece
O fim dela, todavia, ainda não significa meu fim
Pelo contrário, viverei ainda mais plenamente
Quem sou eu?
= = =
terça-feira, 24 de maio de 2016
Poemas sobre a classe operária: Para Uma Ontologia Dialética do Proletário Observador
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