quarta-feira, 7 de maio de 2025

Teses ad Feuerbach (1845)

 

por Karl Marx

I
 
O principal defeito de todo o materialismo existente até agora (o de Feuerbach incluído) é que o objeto [Gegenstand], a realidade, o sensível, só é apreendido sob a forma do objeto [Objekt] ou da contemplação, mas não como atividade humana sensível, como prática; não subjetivamente. Daí o lado ativo, em oposição ao materialismo, [ter sido] abstratamente desenvolvido pelo idealismo – que, naturalmente, não conhece a atividade real, sensível, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis [sinnliche Objekte], efetivamente diferenciados dos objetos do pensamento: mas ele não apreende a própria atividade humana como atividade objetiva [gegenständliche Tätigkeit]. Razão pela qual ele enxerga, n’A essência do cristianismo, apenas o comportamento teórico como o autenticamente humano, enquanto a prática é apreendida e fixada apenas em sua forma de manifestação judaica, suja. Ele não entende, por isso, o significado da atividade “revolucionária”, “prático-crítica”.
 
II
 
A questão de saber se ao pensamento humano cabe alguma verdade objetiva [gegenständliche Wahrheit] não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na prática que o homem tem de provar a verdade, isto é, a realidade e o poder, a natureza citerior [Diesseitigkeit] de seu pensamento. A disputa acerca da realidade ou não realidade do pensamento – que é isolado da prática – é uma questão puramente escolástica.
 
III
 
A doutrina materialista sobre a modificação das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias são modificadas pelos homens e que o próprio educador tem de ser educado. Ela tem, por isso, de dividir a sociedade em duas partes – a primeira das quais está colocada acima da sociedade. A coincidência entre a altera[ção] das circunstâncias e a atividade ou automodificação humanas só pode ser apreendida e racionalmente entendida como prática revolucionária.

IV
 
Feuerbach parte do fato da autoalienação [Selbstentfremdung] religiosa, da duplicação do mundo [Welt] num mundo religioso e num mundo mundano [weltliche]. Seu trabalho consiste em dissolver o mundo religioso em seu fundamento mundano. Mas que o fundamento mundano se destaque de si mesmo e construa para si um reino autônomo nas nuvens pode ser esclarecido apenas a partir do autoesfacelamento e do contradizer-a-si-mesmo desse fundamento mundano. Ele mesmo, portanto, tem de ser tanto compreendido em sua contradição quanto revolucionado na prática. Assim, por exemplo, depois que a terrena família é revelada como o mistério da sagrada família, é a primeira que tem, então, de ser teórica e praticamente eliminada.

V
 
Feuerbach, não satisfeito com o pensamento abstrato, quer a contemplação [Anschauung]; mas ele não compreende o sensível [die Sinnlichkeit] como atividade prática, humano-sensível.

VI 

Feuerbach dissolve a essência religiosa na essência humana. Mas a essência humana não é uma abstração intrínseca ao indivíduo isolado. Em sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais.
Feuerbach, que não penetra na crítica dessa essência real, é forçado, por isso:
  1. a fazer abstração do curso da história, fixando o sentimento religioso para si mesmo, e a pressupor um indivíduo humano abstrato – isolado.
  2. por isso, a essência só pode ser apreendida como “gênero”, como generalidade interna, muda, que une muitos indivíduos de modo natural
VII
 
Feuerbach não vê, por isso, que o próprio “sentimento religioso” é um produto social e que o indivíduo abstrato que ele analisa pertence a uma determinada forma de sociedade.

VIII
 
Toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que conduzem a teoria ao misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na compreensão dessa prática.

IX
 
O máximo a que chega o materialismo contemplativo, isto é, o materialismo que não concebe o sensível como atividade prática, é a contemplação dos indivíduos singulares e da sociedade burguesa.


O ponto de vista do velho materialismo é a sociedade burguesa; o ponto de vista do novo é a sociedade humana, ou a humanidade socializada.
 
XI
 
Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo.
 
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[1] As Teses ad Feuerbach foram escritas por Marx em meados de 1845, em Bruxelas, e encontram-se no seu livro de anotações de 1844-1847 com o título de “1. ad Feuerbach”. Foram publicadas pela primeira vez em 1888, por Engels, como apêndice de seu livro Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã e com o título de “Marx sobre Feuerbach”. Engels fez algumas modificações no texto de Marx, razão pela qual apresentamos, aqui, o manuscrito original de Marx, seguido da versão alterada por Engels. (N. T.)
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MARX, K. “Teses ad Feuerbach”. In: A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas. 1845-1846. Trad. Rubens Enderle, Nélio Schneider, Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 533-535.
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