por Romeu Adriano da Silva
artigo em PDF/2016
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Em memorável texto publicado em 1980, que reflete importante posicionamento em defesa de Friedrich Engels, mas também e fundamentalmente do próprio materialismo, Caio Navarro de Toledo (1980) questiona:
Que
ilustre pensador marxista do Ocidente não formulou restrições e
objeções à obra filosófica de Engels? Embora cada um fundamente de forma
diversa suas críticas ao pensamento filosófico de Engels, pode-se,
contudo, afirmar que G. Lukács, K. Korsch, A. Gramsci, J.P. Sartre, T.
Adorno, H. Marcuse, L. Goldmann, L. Colletti e outros coincidem na
proposta teórica de distinguir e postular a autonomia da obra teórica de
Marx em relação à de Engels. Em outras palavras, todos esses autores
defenderam a tese de que é tarefa essencial e inadiável, para a
reabilitação e revigoramento do marxismo, “salvar” a obra de Marx da
contaminação — “metafísica”, “positivista”, “naturalista”, “dogmática”, “mecanicista”, “determinista”, “fatalista” etc. — a que ela esteve sujeita em virtude da malsinada atividade filosófica perpetrada por Engels. (TOLEDO, 1980, p. 94)
Praticamente à mesma época em que o autor citado propôs-se a rebater as críticas endereçadas a Engels, Florestan Fernandes (1983) afirmava que
Está
em voga a depreciação de F. Engels. Não compartilho dessa voga. Com
freqüência, falo em K. Marx e F. Engels. Com isso, não pretendo
confundi-los, metamorfoseando-os em irmãos siameses espirituais. Um
homem como Marx sabia muito bem o seu valor e não se confundia com
ninguém, nem mesmo com o amigo mais íntimo e com o companheiro de quase
40 anos de lutas em comum. Por sua vez, Engels também tinha a sua
grandeza e uma esfera de autonomia pessoal como pensador inventivo e
como ativista político. Basta lembrar uma coisa: A situação da classe operária na Inglaterra em 1844
é um clássico nas ciências sociais e foi causa (e não produto) da
simpatia de Marx por ele e da descoberta de ambos por seus fortes
interesses comuns. (FERNANDES, 1983, p. 16-17)
As preocupações de José Claudinei Lombardi (2010), publicadas três décadas após o texto de Toledo (1980), também são explícitas quanto à questão em tela que, em última análise, reflete o permanente repositório de uma postura de secundarização da obra de Engels sustentada, muitas vezes, por leituras até mesmo conflitantes entre si, além do que, como postulara Toledo (1980), a postura anti-Engels é um “compromisso contra o próprio materialismo”:
Entre
as várias “faíscas” que, de quando em quando, reacendem o embate
marxista, e sobre as quais é impossível ficar sem posicionamento, está
em se considerar com peso qualitativo diferenciado a contribuição de
Marx e de Engels na construção da concepção materialista dialética da
história. Tenho defendido a busca por um tratamento sistematizado das
premissas teórico-metodológicas da concepção materialista dialética da
história, a partir, principalmente, das elaborações de seus fundadores e
de autores clássicos, na perspectiva de analisar as obras em seu
próprio processo de produção e tratando Marx e Engels em conjunto e não
como produtores de concepções particularizadas: marxismo e
engelsianismo. Com essa proposta de sistematização, portanto, estou
defendendo que Marx e Engels devem ser tomados em conjunto, como faces
de uma mesma e única moeda, e que graças à contribuição de ambos é que
foram construídas as novas bases teórico-metodológicas para o
entendimento dos homens sobre o mundo e sobre si próprios. Do trabalho
conjunto dos dois amigos, simultaneamente ocorreu a construção das bases
metodológicas e teóricas da concepção materialista dialética da
história. Partilho, portanto, do entendimento de que foi a partir da
crítica à filosofia clássica alemã, do socialismo anglo-francês e da
economia política clássica inglesa, que se deu a construção dos
fundamentos ontológicos, gnosiológicos e axiológicos de uma nova
concepção que fazia uma contundente análise crítica do modo capitalista
de produção, ao mesmo tempo em que colocava em relevo o revolucionar da
sociedade em direção a novos padrões societários. Com
relação à questão de se tratar Marx e Engels em conjunto, de forma a
que se recupere a profunda relação entre ambos, e o fato de que desta
relação surgiu a concepção materialista dialética da história, penso que
é preciso também retomar a polêmica questão da diferenciação do
"marxismo" em relação ao "engelsianismo" e de que Engels foi um pensador
de menor importância ou menor competência que Marx. De modo
geral, argumenta-se que Engels entendeu mal as premissas básicas da
dialética materialista; que produziu uma visão mecânica deste, aplicada
de forma a produzir a ridícula argumentação de existência de uma
dialética da natureza; que esta postura produziu danos políticos
irrecuperáveis por sua simplificação da dialética etc. (LOMBARDI, 2010,
p. 48-49, grifos meus)
Acerca das comparações que se costuma estabelecer entre as obras de Marx e a de Engels (ou entre a estatura intelectual e científica de um e de outro), Florestan Fernandes assim se posiciona:
As
comparações estreitas e falsas produzem consequências fantasiosas. É
óbvio que K. Marx é uma figura ímpar na história da filosofia, das
ciências sociais e do comunismo. Engels foi o primeiro a proclamar isso e
o fez com uma devoção ardente, considerando-o como um gênio do qual ele
teve a sorte de compartilhar o destino. Contudo, a modéstia de F.
Engels não deve ser um fator de confusão. Ser o segundo, o companheiro
por decisão mútua e o seguidor mais acreditado não só na vida cotidiana,
mas na produção científica e na atividade política de Marx, quer dizer
alguma coisa. Além disso, F. Engels não era só um “segundo” ou um
“seguidor”: por várias vezes foi ele quem abriu os caminhos originais
das investigações mais promissoras de K. Marx; a ele cabia, na divisão
de trabalho comum, certos assuntos e tarefas; e Marx confiava em seu
critério histórico, científico e político, a ponto de convertê-lo em uma
espécie de sparring intelectual (como o demonstra a sua
correspondência de longos anos). Tudo isso quer dizer que ele não era um
reflexo da sombra de Marx; ele projetava a sua própria sombra. Não se
pode separá-los, principalmente se o assunto for a constituição do
materialismo dialético e seu desenvolvimento. (FERNANDES, 1983, p. 17)
Florestan Fernandes é claro ao enfatizar a confiança de Marx no trabalho intelectual de Engels, em seu “critério histórico, científico e político, a ponto de convertê-lo em uma espécie de sparring intelectual (algo demonstrado em correspondência de longos anos)” (Idem), de modo que se tornam insustentáveis quaisquer argumentos em favor da desqualificação da obra de Engels. Fazê-lo é colocar também a obra de Marx em questão, justamente naquilo que ela tem de fundamental, o próprio postulado materialista.
Numa obra conjunta não é possível haver desconhecimento, por parte de um ou outro de seus produtores, dos fundamentos, dos pressupostos implícitos ao método de investigação. O trabalho filosófico de Engels apenas nos permite entender que, também para ele, a matéria é básica para a explicação de tudo o que existe, de modo que a “[...] investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e perquirir a conexão íntima que há entre elas” (MARX, 2008, p. 28). De acordo com Caio Navarro de Toledo
Embora
ninguém ouse afirmar que Marx foi complacente para com a obra de seu
velho amigo, insinua-se, assim, que os árduos e urgentes combates do
presente foram responsáveis pelo fato de Marx ter sido um mal leitor de
Engels... Marx
teria, por exemplo, denunciado e ridicularizado o positivismo de Comte,
mas teria sido incapaz de ver – a um palmo de seu nariz – o vulgar
materialismo positivisante de seu companheiro de armas! Negando o
argumento que vê ambiguidades ou erros nas avaliações feitas por Marx
sobre a obra filosófica de Engels, sustentamos que a colaboração
intelectual entre os dois pensadores foi de tal natureza que havia um
profundo e íntimo conhecimento de tudo o que cada um realizava
individualmente. A discussão e a troca constante de informações — tal como revela a copiosa correspondência entre ambos —
é uma prova da qualidade e do rigor daquela colaboração teórica.
Deve-se ainda assinalar que nenhum intérprete do marxismo oferece
qualquer prova (livro, ensaio, carta, etc), escrita por Marx, onde se
façam quaisquer reparos ou observações ao projeto teórico e aos
trabalhos filosóficos de Engels. Pelo contrário, nos textos escritos por Marx só encontramos referências favoráveis às iniciativas de Engels no campo da Filosofia. (TOLEDO, 1980, p. 98-99, grifos meus)
Konder (1988) também manifesta-se sobre a postura de Marx em relação ao trabalho de Engels, nos seguintes termos:
Nos últimos anos de vida de Marx, enquanto ele se esforçava para tentar acabar O capital,
seu amigo Engels redigiu diversas anotações sobre questões que nos
interessam, relativas à dialética. Marx apoiou Engels nas observações
que este desenvolvia (e que continuou a desenvolver após a morte do
autor d‟O capital). A grande preocupação de Engels era defender o caráter materialista da
dialética, tal como Marx e ele a concebiam. Era preciso evitar que a
dialética da história humana fosse analisada como se não tivesse absolutamente nada a ver com a natureza, como se o homem não tivesse uma dimensão irredutivelmente natural
e não tivesse começado sua trajetória na natureza. Uma certa dialética
na natureza (ou pelo menos uma pré-dialética) era, para Marx e para
Engels, uma condição prévia para que pudesse existir a dialética humana. (KONDER, 1988, p. 57, grifos meus)
Entendo que a postura de secundarização da obra engelsiana contribui para o sustento de determinadas tendências existentes no interior do marxismo que implicam, em algumas situações, enfatizar determinados aspectos da realidade sem a profundidade da perspectiva materialista e dialética inerentes à obra conjunta de Marx e Engels.
Uma dessas tendências caracteriza-se pela ênfase colocada na chamada “ontologia do ser social”, bastante forte em determinados intelectuais identificados como herdeiros do pensamento de György Lukács e que comunga com a postura acima caracterizada como anti-engelsismo, nem sempre, como se verá, de modo explicitamente negativo ou agressivo, mas que a tem alimentado e, principalmente, tem contribuído para a abertura de algumas veredas para tratamentos essencialistas da realidade histórica.
Se, neste texto, a pretensão da análise visa a tratar desta determinada tendência do marxismo, cuja centralidade é colocada na noção de “ontologia do ser social”. Importa esclarecer que esta tendência é aqui entendida como algo que extrapola o núcleo teórico da concepção lukacsiana, uma vez que estas postulações, parece-me, tendem a acentuar determinados aspectos das formulações de György Lukács em detrimento de sua perspectiva fundamental, que é a da totalidade.
Lukács, que inicialmente “[...] nutria desconfianças e suspeitas em relação à própria palavra (ontologia), resistindo em utilizá-la”[1], propõe uma “ontologia hoje tornada possível”[2] que, apoiando-se em Marx, pudesse distinguir-se por completo da metafísica. Assim, para o autor,
[...] a ontologia do ser social pressupõe uma ontologia geral.
Porém, essa ontologia não pode ser de novo distorcida em teoria do
conhecimento.[...] Se na realidade surgem formas de ser mais complexas,
mais compostas (vida, sociedade), então as categorias da ontologia geral
devem ser conservadas nelas como momentos superados; o superar teve em
Hegel, corretamente, também o significado de conservação. Por
conseguinte, a ontologia geral ou, em termos mais concretos, a
ontologia da natureza inorgânica como fundamento de todo existente é
geral pela seguinte razão: porque não pode haver qualquer existente que
não esteja de algum modo ontologicamente fundado na natureza inorgânica. (LUKÁCS, 2012, p. 27, grifos meus)
A referência ao autor é importante para que, ao longo do texto, possamos bem precisar a crítica ao que extrapola o núcleo teórico da “ontologia do ser social” por ele formulada, aqui considerada como uma tendência do marxismo cuja ressonância se faz ver com clareza em muitos estudos sobre o trabalho e a educação, por exemplo.
Como expressão disso, podemos apresentar a leitura de um estudioso da obra de Lukács, que é Sérgio Lessa, para quem há um equívoco do filósofo húngaro quando este define a política como uma práxis política caracterizada pela universalidade. É frequente, em Sérgio Lessa (2002), a postulação de que a obra de Lukács caracteriza-se pela centralidade categorial do trabalho, da sociabilidade e da linguagem, entendendo ser a política uma instância da prática social diretamente associada à manutenção da dominação do homem pelo homem.[3]
Toledo (2002) apresenta as formulações de Lessa sobre a questão, para depois tecer-lhes considerações críticas:
[...] a política e o Estado — como expressões da alienação social e da pré- história da humanidade — se transformarão em peças de museu na futura sociedade comunista. Adotando os termos da linguagem humanista — que se nutrem das belas metáforas formuladas nos Manuscritos de 1844 —,
Lessa acreditaria na extinção da política a partir do momento em que as
alienações humanas seriam abolidas; nas suas palavras, “no caso do
comunismo, as disputas pelo sentido da construção do futuro são
expressões da sociabilidade emancipada que assume conscientemente o
fazer a história”. (TOLEDO, 2002)
Acompanho o autor citado quando apresenta sua discordância da leitura que Sérgio Lessa faz de Lukács, pois entendo que essa leitura sustenta-se em falsas antinomias entre o econômico e o político, pois uma “concepção histórica e dialética da totalidade social” — presente em Lukács — “deveria dar conta das virtualidades contidas no terreno da luta de classes” (idem), o que nos permite uma movimentação, no nível da teoria e das concepções, em real correspondência com o nível da prática, prática essa que é “critério de verdade”:
Discordamos
de tais formulações. Ironicamente, para nós, o alegado equívoco
cometido por Lukács permitiu a ele evitar as armadilhas da orientação
humanista e abstrata defendida neste ensaio. De forma sintética, e
forçosamente esquemática, ressaltemos dois pontos. Uma concepção
histórica e dialética da totalidade social deveria superar as falsas
antinomias que se expressam pelo economicismo ou pelo politicismo
ao mesmo tempo que deveria dar conta das virtualidades contidas no
terreno da luta de classes. Sem magnificar ou mistificar as
possibilidades da atividade política — defeito típico do idealismo de orientação politicista —
não se pode, contudo, num erro simétrico – típico de diferentes
modalidades do neoanarquismo e do apoliticismo contemporâneo –
diabolizar conceitual e praticamente a ação política. A ênfase em
definir a “essência da política” como um conjunto de “atividades sociais voltadas à reprodução da dominação do homem pelo homem” pouco contribui para uma visão crítica da vida social. Deixando de compreender que a formação social — como um espaço contraditório —
é permeada pela luta de classes, tal concepção implica, entre outras
coisas, reduzir a política (e a ideologia) às práticas de dominação das
classes dominantes; além disso, tem como sua conseqüência lógica,
subestimar a eficácia da atividade política dos trabalhadores e dos
setores populares na luta contra a ordem burguesa. Se pretendem
construir uma sociedade “para além do capital”, as classes populares e
os trabalhadores devem agir politicamente, antes e durante
a edificação do socialismo. As armas e os recursos da política não são
exclusivos das classes dominantes; sob o controle dos trabalhadores, não
implicam, pois, a “reprodução da dominação do homem pelo homem”,
mas, sim, podem ser instrumentos de libertação e superação das
distintas opressões de classe. Por outro lado, não acreditamos que a
desejada “sociedade emancipada” venha abolir a atividade política numa
ordem “para além do capital”. Para nós, a esfera política seria
ultrapassada apenas na hipótese (mítica) do comunismo implicar: a
transparência de suas complexas e diversificadas estruturas sociais e
econômicas, a comunicação plena das subjetividades e a harmonização
absoluta das vontades (e dos interesses) em todos os planos da vida
social. (TOLEDO, 2002)
Assim, reafirmo, não se pretende criticar a própria contribuição de Lukács e de muitos marxistas seus seguidores, cuja produção científica foi e continua sendo fundamental para o marxismo, de modo que não há aqui uma crítica “em bloco” do pensamento e da obra de György Lukács e de seus mais eminentes continuadores ou tributários, como István Mészáros e — para o caso do debate proposto é importante registrar os brasileiros - José Paulo Netto, José Chasin, Ricardo Antunes, Leandro Konder, só para citar alguns deles. Existem tensões no interior dessa tendência, de modo que o foco da crítica são os encaminhamentos essencialistas que se fizeram desdobrar da “ontologia do ser social”, notadamente nos autores aqui tomados como expressões desses encaminhamentos.
Quanto à importância e o cabedal da grande obra do filósofo húngaro, concordo com as considerações de Minto (2008):
Em
seus últimos anos de vida, Lukács reivindicaria o “redescobrimento” de
Marx, de sua verdadeira filosofia e, sobretudo, de seu método. Sua
inspiração fundava-se, em grande medida, nas deformações promovidas pelo
stalinismo, não só na União Soviética, mas em todo o âmbito do chamado
“marxismo oficial” (LUKÁCS, 1997, p. 85-6). Interpretava a obra de Marx
como um processo de desenvolvimento que caminhou para a superação dos
resquícios de sua formação hegeliana, não admitindo a ideia de uma
“ruptura”, o que considerava uma “estupidez historiográfica”. Já na
chamada “obra de juventude” estariam contidos os fundamentos da
ontologia marxiana, isto é, a indicação dos “lineamentos de uma
ontologia histórico-materialista”, superando com isso as “tentativas
ontológicas” anteriores (sobretudo as do velho materialismo e a de
Hegel, que, ao seu modo, entenderam a relação entre o ser e a
consciência como antinômicos). Isso motiva Lukács a propor a tarefa de
“iluminar o edifício conceitual de uma nova ontologia”, na qual a
consciência teria de ser entendida como “produto tardio” do
desenvolvimento do ser material, já que, em Marx “o ponto de partida não
é dado nem pelo átomo (como nos velhos materialistas), nem pelo ser
abstrato (como em Hegel)” (LUKÁCS, 1978, p. 02). Nessa ontologia
histórico-materialista pressupõe-se que há certas leis, certos nexos
causais da natureza aos quais o homem (e toda a atividade humana) deve,
necessariamente, submeter-se. O homem pode conhecer e utilizar tais
nexos causais por intermédio de posições teleológicas (ação consciente
que, conhecendo uma finalidade, antecede certa atividade humana), mas
não pode mudá-los. Isso tem implicações para a questão do conhecimento,
já que se supõe que o real existe independentemente de nossa capacidade
em apreendê-lo. Portanto, não haveria em Marx uma preocupação direta e
exclusiva quanto a uma sistemática epistêmica (da consciência).
Tratar-se-ia, por outro lado, de entender a totalidade do real: “a
realidade é unitária no sentido de que todos os fenômenos da realidade
(sejam eles inorgânicos ou sociais) desenvolvem-se segundo certos nexos
causais em certos complexos, com ações recíprocas em seu interior e
ações recíprocas de um complexo com relação ao outro” (LUKÁCS, s/d., p.
71). Assim, elimina-se a possibilidade de se cair numa mera teoria do
conhecimento. Na dialética marxiana há uma “regência objetiva” sobre o
processo de apreensão do real, mesmo que o sujeito em questão – o ser
social – seja necessariamente um ser “ativo” (que conhece a realidade e
posiciona-se perante ela). Não se limita à “representação caótica do
todo”, mas busca-se a rica totalidade de determinações e relações
diversas ocultadas no plano do imediato, reafirmando a tese de Marx de
que o processo do conhecimento é a forma de proceder do pensamento para
se apropriar do concreto, como “concreto pensado”, não sendo, de modo
algum, idêntico à própria realidade.[4] (MINTO, 2008)
O maduro Lukács, ao apresentar sistematicamente sua “ontologia do ser social” em bases materialistas, afirma que
[...]
as categorias e as leis da natureza, tanto orgânica quanto inorgânica,
constituem uma base em última instância (no sentido da modificação
fundamental da sua essência) irrevogável das categorias sociais. [...]
Assim, até existem categorias sociais puras, ou melhor, é o conjunto
delas que constitui a especificidade do ser social, mas esse ser não só
se desenvolve no processo concreto-material de sua gênese a partir do
ser da natureza, como também se reproduz constantemente nesse quadro e
jamais pode se separar por completo — precisamente em sentido ontológico —
dessa base. É preciso sublinhar, em particular, a expressão “jamais por
completo”, uma vez que a orientação de fundo no aperfeiçoamento do ser
social consiste precisamente em substituir determinações naturais puras
por formas ontológicas mistas, pertencentes à naturalidade e à
socialidade (basta pensar nos animais domésticos), e continuar a
explicitar, a partir dessa base, as determinações puramente sociais.
[...] a
virada materialista na ontologia do ser social, provocada pela
descoberta da prioridade ontológica da economia e seu âmbito, pressupõe
uma ontologia materialista da natureza. Essa indissolúvel unidade
do materialismo na ontologia de Marx não depende de em que medida os
estudiosos marxistas tenham conseguido esclarecer, de modo concreto e
persuasivo, essas conexões nos diversos setores da ciência da natureza. O
próprio Marx falou de uma ciência unitária da história muito antes que esta desenvolvesse efetivamente tais tendências. [...] a
fundação de uma ontologia materialista da natureza, que compreenda em
si a historicidade e a processualidade, a contraditoriedade dialética,
etc, já está implicitamente contida no fundamento metodológico da
ontologia marxiana. (LUKÁCS, 2012, p. 288-289 – grifos meus)
Pelo exposto, o autor, em sua fase “madura” alude, numa postura de deferência, a um pressuposto ontológico materialista para a natureza que compreenda inclusive a “contraditoriedade dialética” — e importa lembrar aqui que a contraditoriedade dialética na natureza é algo defendido por Engels), como pressuposto de uma virada materialista na ontologia do ser social.
No presente texto, portanto, Lukács é tido mais como um pensador cujos escritos tiveram importância para que se provocasse a abertura de uma “fenda” através da qual foram elaboradas as posteriores críticas à obra de Engels, como o indica Jones (1987):
No período revolucionário que se seguiu à Revolução Russa, Lukács e — em medida menor — Korsch introduziram a primeira fenda entre as ideias de Marx e as de Engels. Numa crítica deferente mas venenosa ao Anti-Düring, Lukács reprovou Engels — de um ponto de vista radicalmente hegeliano — por
sua busca de uma dialética uniforme que ligasse a história humana e a
história natural e, particularmente, por sua distinção entre ciência
“metafísica” ciência “dialética”, sustentando que desse modo se
obnubilava a dialética autenticamente revolucionária de Marx: a do
sujeito e do objeto no âmbito da história do homem. Essa crítica
não partia de um terreno puramente epistemológico. Com efeito, aos olhos
de Lukács, o prestígio de que desfrutaram Darwin e a ciência
evolucionista junto à II Internacional ligava-se intimamente a uma
distinção adialética entre teoria e prática, e daí se derivavam o
imobilismo e o reformismo da sua política. Embora a crítica de Lukács
não tenha tido efeito imediato — ele próprio mais tarde se retratou —
tratava-se de uma prefiguração da forma que assumiriam muitas outras
críticas posteriores. (JONES, 1987, p. 378-379 – grifos meus)
Também Sochor (1987) aponta existir a crítica que Lukács dirigiu a Engels e sua dialética da natureza, crítica essa que teria inaugurado um debate duradouro. Segundo o autor,
Com essa crítica, Lukács inaugurou praticamente um debate que dura até hoje.
Trata-se de um problema que pode ser formulado do seguinte modo: a
dialética materialista de Marx é uma teoria geral que se refere às leis
mais gerais da natureza, ou vale apenas para a realidade histórica
(cultural) e ao pensamento humano? Para Lukács, a dialética materialista
se identifica com o materialismo histórico; e ele limita explicitamente o método da dialética materialista à realidade social. Ele pensa que Engels, no Anti-Dühring (o manuscrito da Dialética da natureza
ainda não fora publicado naquela época), conservara-se preso ao mau
exemplo hegeliano, ou seja, esforçava-se por obter um sistema completo e
fechado e, desse modo, estendera o método dialético também ao
conhecimento da natureza [...] (SOCHOR, 1987, p. 33 – grifos meus)
De fato, as observações de Jones (1987) e Sochor (1987) são procedentes, pois os elementos mais fundamentais das críticas dirigidas a Engels parecem, mesmo, já estarem presentes nas considerações feitas por Lukács.
Tal pode ser verificado, por exemplo, em importante obra do autor, História e consciência de classe, na qual tece as seguintes considerações sobre Engels:
Com
efeito, Engels descreve a conceptualização do método dialéctico
contrapondo-o à conceptualização “metafísica”: sublinha que, no método
dialéctico, a rigidez dos conceitos (e dos objectos que lhes
correspondem) se dissolveu, que a dialéctica é um processo de constante
passagem fluida de uma determinação a outra; que, consequentemente, se
deve substituir a causalidade unilateral e rígida pela acção recíproca. Mas o aspecto mais essencial desta acção recíproca, a relação dialéctica do sujeito e do objecto no processo da história,
não chega a ser mencionado, e muito menos colocado (como deveria) no
âmago das considerações metodológicas. Ora, privado desta determinação, o
método dialéctico (apesar, é certo, de manter, de forma puramente
aparente, a “fluidez” dos conceitos) deixa de ser método revolucionário.
A diferenciação em relação à “metafísica” deixa então de ser procurada,
porquanto em qualquer estudo se mantém intocável e imutável; por
conseguinte, o estudo conserva uma perspectiva puramente “contemplativa”
e não se torna prático, ao passo que, para o método dialéctico, a
transformação da realidade constitui o problema central. Se se desprezar
esta função central da teoria, a vantagem da conceptualização “fluida”
torna-se bastante problemática. Tudo isso se transforma numa questão
puramente “científica”. O método pode ser rejeitado ou aceite, segundo o
estado da ciência, sem que a atitude fundamental perante a realidade e o
seu caráter mutável ou imutável sofra a mínima alteração. [...] Os
mal-entendidos que a maneira engelsiana de expor a dialética suscitou
vêm essencialmente de que Engels – seguindo o mau exemplo de Hegel –
estendeu o método dialético ao conhecimento da natureza. (LUKÁCS, 1974,
p. 17-18; 19 – grifos meus)
Embora Lukács reconheça que Engels, ao descrever o método dialético, o faz de maneira contraposta à forma de a perspectiva metafísica conceber este método, ele não deixa de colocar um acento num aspecto que, na forma de descrição do método dialético empreendida por Engels, acabaria por estabelecer um “esvaziamento” na própria dialética, que ficaria alijada de seu conteúdo revolucionário. Este aspecto “fundamental” seria “a relação dialética do sujeito e do objecto no processo da história” (Idem), cuja falta permitiria naturalizar a história. Mesmo que a preocupação de Lukács possa girar em torno de indicar o poder da teoria para um conhecimento que se queira revolucionário, proponho uma indagação: não estaria o autor, neste momento de sua obra, explicitando uma objeção fundamental do entendimento de Engels (caro ao próprio materialismo) de que há uma dialética da natureza, ou seja, de que o movimento dialético do real existe mesmo quando não se faz presente relação dialética do sujeito e do objeto? Seria um limite do realismo de Lukács neste momento de sua obra — momento de transição para o marxismo —, na medida em que a dialética não poderia existir sem a consciência capaz de “colocar teleologias”?
Como a “ontologia do ser social” não é precisamente elaborada na juventude de Lukács, e sim uma concepção de momento mais maduro — “ponto de chegada de uma trajetória extremamente longa” — de sua vida intelectual, vejamos o que diz Nicolas Tertulian a respeito:
Ponto
de chegada de uma trajetória extremamente longa [...], a Ontologia traz
algumas novidades relevantes para o panorama da obra lukacsiana. O
filósofo apresenta aí, pela primeira vez num contexto sistemático, a
crítica ao neopositivismo, voltada, por exemplo, para alguns dos
escritos de Carnap ou ao Tractatus logicophilosophicus de Wittgenstein. O neopositivismo lhe aparece como o avalista filosófico do reino da manipulação. Pode-se
até afirmar que o fato de voltar-se para a ontologia constitui, para
ele, uma enérgica reação contra certa hegemonia do neopositivismo no
cenário filosófico: diante das tentativas de homogeneização cada vez
mais explícita da vida social, submetida aos imperativos do cálculo e da
quantificação, a ontologia do ser social pretende dar destaque à
heterogeneidade e à diferenciação extremas do tecido social, opondo uma
negação clara ao confisco do indivíduo e à manipulação. (TERTULIAN, 1996, p. 57 – grifos meus)
Entendo serem bastante precisas as observações que o autor faz a respeito da obra madura de Lukács que, ao elaborar sua “ontologia”, formula de maneira sistemática uma crítica ao neopositivismo. Entretanto, importa registrar que, ao dirigir a crítica ao neopositivismo, num “rastreamento” de formas as mais variadas de reificação do pensamento e do real, esta se fez acompanhar de críticas ao modo como Engels concebia a dialética, a meu ver compartilhadas pelo próprio Tertulian:
A
precisão com que Nicolai Hartmann tinha traçado as linhas de demarcação
entre a ontologia, por um lado, e a lógica e a gnosiologia, por outro,
objetivando um fundamento rigorosamente crítico das categorias (aqui
está integralmente o sentido da "ontologia crítica"), tiveram um efeito
benéfico também sobre o pensamento de Lukács. É em nome de uma tal
ontologia crítica (e de modo algum "pré-crítica" e muito menos "prédialética") que, na Ontologia do ser social e, de modo especial, nos Prolegômenos,
Lukács rastreia as tantas formas de reificação do pensamento e do real,
desde a teoria platônica das ideias até o criticismo kantiano ou o
logicismo nas suas diversas variantes, desde a ontologia logicizante e
criptoteleológica de Hegel (que Lukács distingue cuidadosamente da
"verdadeira ontologia" hegeliana, concretizada na lógica da essência)
até os escritos dos neopositivistas modernos, que sacrificam a autonomia
ontológica do real à sua manipulação pragmática. Deste
modo, ele pode demonstrar, por exemplo, a inconsistência de uma famosa
"lei da dialética": a negação da negação. Submetendo-a à prova de um
rigoroso controle ontológico, ele consegue evidenciar os efeitos
negativos produzidos pela sua transubstanciação no marxismo realizada
por F. Engels. Julgamos os Prolegômenos uma introdução indispensável para compreender o pensamento ontológico do último Lukács. (TERTULIAN, 1996, p. 69, grifos meus)
Moraes (2007) considera o autor citado um “exemplo particularmente agressivo” de crítica a Engels:
Exemplo
particularmente agressivo é o oferecido por Nicolas Tertulian num
artigo consagrado à apresentação da pleonástica “ontologia do ser
social” (literalmente: teoria do ser social)
de Lukács. Parte considerável do artigo está consagrada à influência de
Nicolai Hartmann na elaboração daquela ontologia. (A obra de Hartmann,
inteiramente enraizada no idealismo alemão do início do século XX, está
na origem da inflação ontológica que, graças sobretudo a Martin
Heidegger, mas também a Lukács, propagou-se pela Europa, Estados Unidos e
adjacências). Não nos arriscaríamos a enveredar pelo terreno da
hermenêutica lukacsiana, mas não temos porque duvidar de Tertulian
quando afirma ser “quase perfeita” a “coincidência” entre Lukács e
Hartmann “quanto à análise das relações entre teleologia e causalidade”.
O padrinho desse conúbio teria sido nada menos do que Marx, renegando
“post mortem” sua exemplar amizade e colaboração com Engels (em vida
nunca desmentida). Na base desta bizarra hipótese, Tertulian assume “o
objetivo de distinguir o pensamento autenticamente ontológico de Marx da
interpretação dada por Engels”, “considerado responsável, de certa
forma, pela deformação stalinista do marxismo”, reproduzindo uma
passagem de Lukács, que não deixa dúvidas a esse respeito: “Eu acredito
[...] no fato de que Engels e depois dele alguns social-democratas
interpretaram o desenvolvimento da sociedade em termos de necessidade em
contraste com aquelas conexões sociais de que fala Marx”. Terão os dois
ontólogos cometido um lapso de memória, ou ter-lhes-á faltado coragem
intelectual para responsabilizar pelas alegadas deformações do marxismo,
também o mais veemente intusiasta russo de Engels, um certo Vladimir
Ullanov, dito Lênin? Ou, do ponto de vista da revolução proletária,
ficaria muito constrangedora a comparação entre o engelsismo de Lênin e o
lukacsiano Tertulian?[5] (MORAES, in FERREIRA et al (orgs), 2007, p.
155-156, grifos meus)
Ao posicionar-se criticamente em relação à tendência do marxismo que coloca acento na “ontologia do ser social”, Moraes (2007) considera positivamente a contribuição de Engels à elaboração do marxismo clássico (e reforça o pressuposto materialista de que este parte), como por exemplo, nos estudos sobre a linguagem, a consciência e a técnica. Vai ao texto engelsiano sobre o papel do trabalho no processo de “hominização” do homem, e reflete sobre a imagem do “salto” das formas “pré-humanas à forma humana do trabalho”, o que, para ele,
[...] constitui o elo decisivo da hominização: o homo se tornou sapiens ao se tornar faber.
Do ponto de vista da filogênese, as duas transformações são coetâneas e
complementares: o esquema mental da forma útil é inseparável da
destreza manual, que o toma por paradigma para moldar o objeto de
trabalho. Mão e cérebro são igualmente decisivos, a tal ponto que,
parodiando um preceito célebre do aristotelismo, podemos afirmar que o
cérebro abstrai aquilo que as mãos separam. Todas as demais formas que o
homem veio a produzir (para o “bem” ou para o “mal”), notadamente a
linguagem articulada, têm sua matriz nesta conexão originária. (MORAES,
in FERREIRA et al (orgs), 2007, p. 149-150)
Moraes (2007) adverte , no entanto, que a imagem do “salto” a que recorre é empregada em sentido adverso por outros marxistas (em particular de uma tendência entre estes cujas balizas de análise dão-se em torno da “ontologia do ser social”), que dirigem as mais duras críticas a Engels, aqui combatidas por Moraes:
A imagem do “salto”, que, para nós, simboliza estritamente o momento em que a alteração quantitativa se torna mudança de qualidade,
é frequentemente empregada para confortar a sofreguidão racionalista de
afastar o homo sapiens da mera natureza, conferindo-lhe desde logo os
atributos essenciais de sua humanidade. Com efeito, é próprio ao
humanismo marxológico, em suas visões leiga ou religiosa, conservadora
ou “de esquerda”, inscrever a humanidade, ou o homem em sua
universalidade, numa esfera irredutível, “ontologicamente” distinta e
superior às demais espécies biológicas. Não surpreende que os adeptos
destas doutrinas se empenham, com zelo ritual, na desqualificação
teórica e mesmo política de Engels. (MORAES, in FERREIRA et al (orgs),
2007, p. 155, grifos meus)
Deste modo, fica mantida a “unidade do real”, unidade na diversidade. Moraes ainda observa que,
[...]
bem antes dos ontólogos modernos, Marx havia apontado na capacidade de
antecipar no cérebro a forma útil que iria imprimir no objeto natural, o
traço próprio do trabalho propriamente humano. Sintomaticamente
preocupado, como toda a escola marxolontóloga, em salvar o homem de sua
animalidade, Tertulian garante que com seu “pôr”, “Lukács torna
impossível a confusão entre a vida da natureza e a vida da sociedade: a
primeira é dominada pela causalidade espontânea, não teleológica por
definição, enquanto a segunda é constituída através dos atos
finalísticos dos indivíduos”. O materialismo consequente não hesita, ao contrário, em assumir a fundo a tese de que o homem é um produto da história natural. Ontologicamente, é matéria.
Sublimar a matéria do “social” é enveredar pelo logicismo
transcendental das “ontologias regionais” do idealismo pós-kantiano e
fenomenológico. A
interpretação lukacsiana da filosofia marxista merece, porém, o
benefício da dúvida. Melhor, pois do que atacar Engels, os epígonos do
pensador húngaro deveriam mostrar que ela não se esgota num humanismo
trivial: o homem não se reduz à natureza, não é um animal irracional,
nem mero agente econômico etc.[6] (MORAES, in FERREIRA et al (orgs.), 2007, p.156)
Deve-se registrar, no entanto, que a leitura apresentada por N. Tertulian — e criticada por João Quartim de Moraes — não é de todo compartilhada pelo conjunto dos pensadores “lukacsianos”, o que nos possibilita falar da existência de uma certa leitura da obra de Lukács que penso poder ser caracterizada como uma tendência do marxismo, atualmente bastante prestigiada e em destaque nos estudos sobre educação e trabalho no Brasil, bem expressa por autores como Ivo Tonet e Sérgio Lessa, por exemplo.
Para ilustrar a discussão a respeito da “inconsistência da famosa lei da dialética” a que Nicolas Tertulian se refere, que é a “negação da negação”, cabe aqui recorrer a um pensador da envergadura de István Mészáros, tributário da obra de Lukács e um de seus seguidores mais qualificados, para que se veja quão perigosas por vezes podem tornar-se as veredas da filosofia, se considerarmos, é claro, que a obra de Marx e Engels foi construída, em seu fundamento materialista e dialético, no sentido de superar as perspectivas essencialistas, abrigadas pelas concepções metafísicas, o que, penso, equivale a aceitar como válidas as considerações de Engels sobre a existência de uma dialética operando também na natureza:
Caracteristicamente,
uma das maneiras pelas quais se procurou alijar do marxismo a
objetividade das determinações dialéticas consistia em declarar que eram
uma criação de Engels, que falava sobre dialética não apenas na
história mas, horrible dictu, também na natureza. Isto,
insistiam, devia ser rejeitado como incompatível com os próprios
escritos de Marx. No entanto, os próprios fatos, mais uma vez, dizem
outra coisa. Se alguém é “culpado‟
nesse aspecto certamente é o próprio Marx, que escreveu a Engels, quase
dez anos antes de este último começar a escrever sua Dialética da natureza: “Você também perceberá, pela conclusão do meu capítulo III [d‟O capital],
(...) que no texto eu afirmo que a Lei que Hegel descobriu, de mudanças
puramente quantitativas se transformando em mudanças qualitativas, vale
tanto na história como nas ciências naturais. (MÉSZÁROS, 1996, p.
330-331)
Indo ao encontro do entendimento de Mészáros, Álvaro Vieira Pinto é contundente em relação a esta questão:
A controvérsia sobre se existe ou não a “dialética da natureza” já representa uma formulação tendenciosa, que dificulta a inteligibilidade do problema. A
realidade não pode ser dividida em planos, separada em setores ou
compartimentos radicalmente distintos, sujeitos a leis intransponíveis e
inintegráveis, pois se um de tais planos ou esfera é considerado
“real”, que nome se daria então aos demais? Se são diferentes daquilo que é real só podem ser o irreal, mas este só tem significado enquanto obra da imaginação. Admitindo,
portanto, a unidade da realidade, que consiste na materialidade do
processo do mundo objetivo, torna-se imperioso aceitar igualmente que uma só lógica exprime veridicamente todos os processos que nela se desenrolam. (PINTO, 1979, p. 162, grifos meus)
Se mantida essa controvérsia, sustenta-se a secundarização da obra de Engels. Secundarizando-se a obra de Engels, mantém-se a controvérsia, com o risco de se fragilizar o próprio materialismo nos seus pilares, no que este tem de mais nuclear, de modo que só restaria a existência de uma ontologia de corte metafísico. Como diz Ronald Rocha:
[...] a
crítica à elaboração de Engels está ligada à recusa em admitir a
presença imanente da dialética na ontologia dos seres naturais. Assim, teria havido uma retroflexão
societária e antropomórfica, projetando sobre a natureza categorias
exclusivamente lógicas, como são por alguns consideradas, por exemplo, a
contradição e a negação. Em nome das óbvias diferenças entre as
várias esferas do ser, optaram por eliminar as identidades genéricas.
Deixaram de distinguir conceptualmente a dialética objetiva da
subjetiva, isto é, o real do pensamento, da consciência e da
inteligibilidade dialéticos, que realmente são, esses sim, embora
sobredeterminados, atributos exclusivamente humanos. A
consequência é que, para além do ser social, só poderia haver uma
ontologia de corte metafísico, já que a matéria é historicamente
anterior à práxis e à razão sapiens, que só depois iriam servir de veículos à formulação da lógica dialética. (ROCHA, 2000, p. 72, grifos meus)
Importa, neste momento, lembrar a admissão de Lukács quanto à unidade da realidade, unidade processual. Nos Prolegômenos a uma ontologia do ser social, o autor afirma que
O ser humano pertence ao mesmo tempo (e de maneira difícil de separar, mesmo no pensamento) à natureza e à sociedade. Esse ser simultâneo foi mais claramente reconhecido por Marx como processo,
na medida em que diz, repetidas vezes, que o processo do devir humano
traz consigo um recuo das barreiras naturais, jamais sua supressão
total. De outro lado, porém, jamais se trata de uma constituição
dualista do ser humano. O homem nunca é, de um lado, essência humana, social, e, de outro, pertencente à natureza;
sua humanização, sua sociabilização, não significa uma clivagem de seu
ser em espírito (alma) e corpo. (LUKÁCS, 2010, p. 41-42, grifos meus)
Insistindo ainda na referida controvérsia, um outro seguidor de Lukács, Guido Oldrini, ao discutir a relação Marx-Engels, arrola minuciosamente um amplo conjunto de fatores que atestam a profunda e fundamental contribuição de Engels, seja como teórico, como ativista político ou como intelectual polemista, sempre disposto a rebater os ataques dirigidos ao movimento e organização dos trabalhadores quanto aos direcionados à teoria, particularmente, ao núcleo fundamental da concepção materialista. O autor afirma que
[...]
enquanto complexo doutrinário, o marxismo é uma teoria que se apresenta
sob duplo aspecto: ele é, a um só tempo, teoria da história
(materialismo histórico) e concepção geral de mundo (materialismo
dialético). Gyögy Lukács insistiu contínua e vigorosamente, em especial
na Estética e na Ontologia, a respeito da íntima conexão
existente no interior do marxismo entre determinações teóricas e
determinações históricas daqueles problemas que dizem respeito à
inseparabilidade que origina a linha fundamental do pensamento marxiano.
Observou que os problemas do materialismo histórico se vinculam com
aqueles do materialismo dialético; e também insistiu sobre a cooperação,
recíproca e constante, que essas duas ramificações da ciência haviam de
manifestar em toda a investigação. (OLDRINI, 2011, p. 102)
Entretanto, a contrapelo das assertivas de István Mészáros aqui referidas, Guido Oldrini argumenta que, se examinarmos com Lukács, “o marxismo sob o aspecto de sua dimensão ontológica”, o “marxismo de Engels” torna-se problemático:
Aqui o marxismo de Engels nem sempre está à altura das intuições geniais e das descobertas de Marx: no âmbito das leis do real (wirklichen),
ele alcança a profundidade própria destas, mas não suas fundações,
manifestando-se nele um inegável erro de simplificação. Inegável, porém,
não no sentido de que seus ensinamentos já anunciem os limites de toda
degeneração positivista do marxismo que veio à luz com o marxismo da
Segunda Internacional (conforme a compreensão que sempre se repete em
grande parte da moderna marxologia burguesa, de Iring Fetscher a
Habermas), mas, no limite, pelo motivo inverso: seu marxismo ainda flerta em demasia com a dialética hegeliana, a qual ele não diferencia logicamente o bastante da ontologia. (OLDRINI, 2011, p. 105, grifos meus)
Oldrini (2011) apresenta três exemplos, “todos retirados de Lukács” (idem, p. 105), a fim de demonstrar a problemática em torno desse “flerte” de Engels com a dialética hegeliana, exemplos “que dizem respeito, na ordem, à categoria da negação, à relação categorial entre liberdade e necessidade e à relação — vinculada aos pontos precedentes — entre práxis e 'verdade objetiva'”. A citação do autor, apesar de extensa, é imprescindível para uma melhor e clara compreensão dessa discussão:
No
plano lógico ou gnosiológico, a negação tem o significado primário de
realização dinâmica da dialética. Mas, já o havia destacado o
antidialético Feuerbach, crítico da filosofia de Hegel — de maneira alguma ela representa (darstellt)
uma categoria ontológica autônoma. Ontologicamente considerado, o
“nada” jamais se põe; põe-se apenas a negação de algo outro, a negação
de uma outra efetividade (Wirklichkeit): por exemplo, sob a morte, a realidade da vida. “Um ente não objetivo é um não-ente”, segundo a significativa observação de Marx nos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844,
no qual ele quis dizer: ser e objetividade exprimem a mesma coisa: não
há nenhum “nada” que a forma do ser contenha. Por isso, quando Engels dá
o exemplo do grão de cevada que se transforma em planta e esta se
define enquanto a “negação do grão” (exemplo denominado como “a negação
da negação”, mas que em Marx — comenta Lukács — “esta não aparece de modo algum”), ele intercala de modo ilegítimo uma categoria lógica na ontologia e viola a lei da objetividade do objeto — procedimento que Marx já observara contra Hegel —, isto é, transforma de maneira forçosa (zwängt)
objetos ontológicos e realidades em formas que, à medida que são
lógicas, deformam aqueles mesmos objetos ontológicos e realidades. Primazia
análoga e injustificada do modelo hegeliano da lógica se mantém no
tratamento que Engels dispensa à relação entre liberdade e necessidade.
Sem dúvida, ele coloca sobre os pés, no sentido materialista, a fórmula
idealista de Hegel de cuja concepção a liberdade é, como se diz, a
“verdade da necessidade”, a necessidade “conceituada” [...] Mesmo
com essa “virada materialista”, Engels não se livra completamente,
porém, da arquitetônica lógica do sistema hegeliano. Escapa-lhe a
importância logicista excessivamente entorpecida que Hegel precisamente
atribui, em virtude das pressões do sistema, à categoria necessidade.
Marx, ao contrário, procede muito mais livremente em comparação a Hegel.
No ponto de partida da ontologia marxiana, assim como Lukács a
interpreta, encontra-se uma hierarquização bastante sofisticada das
associações entre as categorias aqui apontadas, uma concepção de
liberdade melhor articulada que é posta, no interior da relação, no
circuito completo das categorias inteiramente modais. Da maneira como
Engels procede, essa ontologia esgota-se inteiramente na necessidade
“conceituada”, quando, ao contrário, ela deve significar o campo das
possibilidades, das decisões que se circunscrevem entre alternativas que
a realidade humana mesma não perde de vista na execução do processo de
trabalho. Isso tem consequências imediatas também para o terceiro e
último ponto que aqui está em questão, ou seja, o exame do papel da práxis na ontologia e no esclarecimento do processo gradual na qual está compreendida a estrutura constitutiva do real (wirklichen).
Para o marxismo, vigora o princípio de que a práxis representa o
critério absoluto da teoria, e isto é demonstrado pela “verdade
objetiva”. Engels apresenta os casos típicos dessa verificação mediante a
práxis, notoriamente no âmbito da experimentação e da indústria, que
são o oposto do caráter meramente contemplativo do pensamento burguês...
[...] Nos moldes das objeções agnósticas como as levantadas pelos
neokantianos, segundo as quais as propriedades de uma coisa não são
ainda “a coisa em si”, e enquanto coisa em si jamais poderiam ser
conhecidas, já que estão para além de toda capacidade de conhecimento
possível, Engels responde, a respeito destas mesmas objeções, com as
palavras da polêmica hegeliana contra Kant: se conhecem-se as
propriedades totais de uma coisa, conhece-se também a “coisa em si”, e
esta aparece, pois, como nada além do que aquilo dado pela realidade
positiva, realidade esta que é o lugar no qual a coisa exterior a nós
tem existência. Decisiva e definitivamente, esse é o mais elevado grau
de refutação do agnosticismo que a práxis da indústria moderna oferece. Essa
experimentação tem, no entanto, um alcance limitado. Se, para além da
verificação, um fato, um dado ou um nexo causal isolado diz repeito a um
processo cujo resultado tem na observação o mais puro e elevado grau
das esferas complexas do real como finalidade [humana], ou ainda a
ampliação da consciência da estrutura ontológica, então a experimentação
já não basta. [...] De fato, isso tem a ver com a realidade (Wirklichkeit) exclusivamente sob o aspecto da aparência, aquele do fenômeno (Oberfläche) separado da esfera de sua manipulabilidade tecnológica (tecnologischen manipuierbarkeit) e que, enquanto tal, pode muito bem conviver com uma falsa teoria na qual o “em si” da coisa (Sache) — no sentido engelsiano — não toca de modo algum. A
práxis imediata necessitou, por essa razão, reinaugurar e afirmar a
mediação em consonância com uma completa ontologia do trabalho. De outra
maneira, a observação crítica de Lukács a respeito da práxis não
conservaria o seu significado pleno: “A orientação no sentido de uma
praticidade lógico-imediata, ainda que solidamente fundada, conduz, do
ponto de vista ontológico, a um beco sem saída”. (OLDRINI, 2011, p. 106-109)
Como se pode ver, a crítica de Oldrini (2011) é, de fato, mais substancial, o que justifica a transcrição extensa de seu texto literal. Chega ao ponto de procurar demonstrar a permanência da lógica hegeliana no pensamento de Engels e também ao ponto de procurar a insuficiência da forma como Engels teria recorrido à práxis como critério de verdade, ou seja, a forma como para Engels a experimentação e a indústria aparecem como componentes fundamentais da práxis. Ora, teria Engels imaginado ou suposto que a experimentação ou a indústria faziam-se por si e não se constituíam em atividade marcadamente humana, em trabalho? Não existe aí um pressuposto ontológico? Ainda, a grande validade da reflexão de Engels não estaria em indicar que, quando se remete à experimentação e à indústria, está demonstrando que não toma o trabalho como uma entidade, mas sim que esta atividade está sendo tomada em consideração no interior de uma sociedade de classes, do modo de produção capitalista, ou seja, que não está preocupado em discutir abstratamente uma categoria?
Vale aqui a observação de Álvaro Vieira Pinto:
A questão fundamental que nos deve orientar na compreensão da teoria da ciência e da pesquisa científica consiste
na admissão da logicidade do processo natural enquanto qualidade deste
em si mesmo, e não como qualidade pertencente originariamente ao plano
da consciência, ao espírito, vindo a ser projetada na realidade exterior
pela exigência de conhecê-la racionalmente. A diferença entre os
dois modos de ver é radical, e decide de todas interpretações a que se
volta o cientista, ainda quando disso não tenha clara percepção. [...] parece-nos
indispensável admitir que a dialética não é um produto do espírito mas a
legalidade interna do processamento da realidade no seu curso natural,
refletindo-se no pensamento em caráter de lógica dialética; e ademais,
julgamos indispensável suprimir a dualidade ingênua, que os negadores da
dialética objetiva estabelecem, ao tomar a atitude, em si antidialética
(mesmo do ponto de vista que defendem), de criar dois planos lógicos
incomunicáveis, um entregue ao formalismo da concatenação causal linear,
por simples relações externas entre os fenômenos; e outro que os
interpretaria segundo diferente conceituação, a que proclama a
predominância das relações internas entre as ideias. [...] A rígida
postura de recusa da inerência da dialética no plano natural, mesmo
reconhecendo-a válida no plano das ações humanas, da história e das
ciências sociais, não abre a possibilidade de compreensão integral do
problema do conhecimento. (PINTO, 1979, p. 159; 161, grifos meus)
Fazer com que compareçam ao debate autores que receberam influência do pensamento de Lukács, e que não rejeitaram insistentemente os apontamentos de Engels em relação à dialética nos processos naturais, ajuda a elucidar alguns pontos que são realmente importantes para o problema aqui proposto. O que está colocada é a questão da já apontada existência de uma tendência do marxismo que se irradia em torno de uma “ontologia do ser social” e que se afasta da perspectiva (marxiana e engelsiana) de sustentação de um mesmo e único pressuposto ontológico materialista tanto da natureza quanto da sociedade.
É possível observar um claro contraste, quanto a esta questão, entre o Lukács maduro e alguns pensadores tributários de seu pensamento. O próprio Lukács sustenta que
A
recusa gnosiológica de uma ontologia materialista da natureza e da
sociedade levada às últimas consequências tem aqui uma de suas mais
importantes bases ideológicas: a burguesia, que passou a dominar
economicamente, busca não apenas a paz com as forças religiosas, mas
também a manutenção da própria “respeitabilidade” sociomoral diante dos
materialistas, em que podem com frequência se revelar, aberta e
criticamente, as últimas consequências morais dessa ordem social.
(LUKÁCS, 2010, p. 67)
Ainda no interior da questão das críticas dirigidas ao pensamento de Engels, é interessante verificar que intelectuais do campo das ciências naturais, como da física ou das geociências, esboçam preocupações semelhantes às dos que não secundarizam a obra de Engels, e muito menos a responsabiliza por “desvios” os mais variados. É o caso de Alex Peloggia e Olival Freire Jr., que aceitam a discussão a respeito da dialética da natureza proposta por Engels, rechaçada por pensadores reconhecidamente pertencentes à tradição marxista e tributários do pensamento de Lukács.
Alex Peloggia, por exemplo, em texto intitulado Sobre a dialética e as particularidades das ciências da natureza e da sociedade, apresenta a crítica que Sérgio Lessa (citado por Peloggia em trecho a seguir) endereça a Engels para, mais à frente, discuti-la de forma arguta:
[...]
conforme Lessa (1989; 336), Lukács, ao abordar a questão da categoria
da negação, em sua obra sobre “A falsa e a verdadeira ontologia de
Hegel” (...) teria uma posição inequívoca. Para Lessa “(...) neste tema
em particular, a crítica que [Lukács] faz a Hegel é tão radical quanto à
que faz a Engels: ambos
perderam, cada um a seu modo, a especificidade do ser social ao
homogeneizar toda processualidade do ser sob a categoria da negação.
Tanto na vertente idealista quanto na materialista, o resultado dessa
homogeneização é o mesmo: identificar logicisticamente sociedade e
natureza” (grifos de Peloggia). A partir de sua interpretação de Lukács,
conclui o autor citado que: “Devemos lembrar, em primeiro lugar, que de
identificações deste gênero
decorrem interpretações que deformam a integridade do ser social ao
igualar a legalidade vigente na natureza àquela que impera na sociedade.
Não apenas o stalinismo, mas também as tentativas de identificar luta
de classes com a seleção natural na esfera biológica, ou o positivismo,
com sua tentativa de reduzir a causalidade social ao tipo de causalidade
do mundo físico-químico, têm uma de suas raízes em tal equívoco
ontológico” (Lessa; 1989, 336-337 – Grifos de Peloggia) (...) Pretende
o autor assim, em conclusão, que Engels, ao desconhecer a distinção
ontológica entre a categoria social da negação e a processualidade
natural, teria efetuado uma inversão ontológica, com a qual perdeu a
especificidade do ser social. (PELOGGIA, 2004, p. 3-4 - grifos meus)
Alex Peloggia continua recorrendo aos escritos do próprio Lessa — por ele citado — para que se amplie o quadro da refutação da dialética da natureza por este efetuada:
[...]
a mesma legalidade ontológica que rege o processo de transformação de
uma montanha em vale está presente na formação de uma montanha. As leis
geológicas presentes nos dois processos são as mesmas; não há, entre a
processualidade da evolução de um vale e a de uma montanha, qualquer
ruptura ontológica. Além disso, é obviamente insustentável que o vale
(ou a montanha) seja uma negação do ser orgânico. Portanto, não há
qualquer traço de negação. (LESSA, 1989 apud PELOGGIA, 2004, p. 6)
Criticando esse posicionamento de Sérgio Lessa, Alex Peloggia afirma que se pode considerar, nessa discussão, “ruptura ontológica” como “transformação do modo de ser”, em suas formas objetivas ou em sua processualidade, ou, em outros termos, “mudanças de categorias”. E continua:
[...]
é provável que o próprio exemplo escolhido por Lessa para fundamentar
sua análise tenha contribuído para seu mau entendimento da questão. De
qualquer forma, ficam evidentes a imprecisão dos conceitos e a falta de
aprofundamento da análise levada a cabo pelo autor citado, em contraste
evidente (...) com a cuidadosa síntese de Engels, válida em termos
gerais até hoje. (PELOGGIA, 2004, p. 7 – grifos meus)
Os argumentos do autor sustentam-se na seguinte passagem do Anti-Dühring, de Engels:
[...]
toda geologia é uma série de negações negadas, uma série de destruições
sucessivas de formações minerais antigas e de sedimentação de formações
novas. Como é sabido, a crosta terrestre primitiva resultante do
arrefecimento da massa falida fluida fragmenta-se sob a ação dos
oceanos, da meteorologia e da química atmosférica, e essas massas
trituradas depositam-se em camadas no fundo do mar. Transformações
geológicas locais do fundo oceânico trazem à superfície e expõem de novo
partes dessa primeira estratificação aos efeitos da chuva, da
temperatura — e que varia consoante as estações —,
do oxigênio e do ácido carbônico da atmosfera. As mesmas influências
atuam sobre as massas rochosas, primeiro em fusão e depois arrefecidas,
que saídas do interior da Terra atravessaram as sucessivas camadas.
Assim, durante milhões de séculos, não cessam de se formar camadas
novas, de serem destruídas na sua maior parte e de servirem mais uma vez
para a formação de novas camadas. (ENGELS, 1975 apud PELOGGIA, 2004, p.
7)
A criteriosa interpretação que Alex Peloggia efetua dos escritos engelsianos fica claramente demonstrada e completa-se nos seguintes termos:
Deve
ser ressaltado que Engels trata nesta passagem, que caracteriza o
conceito geológico de ciclo das rochas, da transformação de categorias
ontológicas (como formas de existência, de ser e ir-sendo, dos entes naturais), conforme lhes determina a Geologia, e não de processos lógico-formais; ou seja, não se perde a referência de partida no real.
E que é às custas da destruição de formações antigas que se dá a
deposição de novas camadas geológicas (estas que, por sua vez, poderão
também ser destruídas e assim por diante; esta é a série de negações negadas). Vê-se,
portanto, que as categorias colocadas por Lessa, de “montanha” e
“vale”, no encadeamento elencado, são produtos, talvez “construções
lógicas”, da interpretação desse autor ou, melhor dizendo, talvez de sua
pouca familiaridade com os processos de funcionamento da natureza
geológica. Não constam do texto engelsiano e não foram discutidas por
Lukács. (PELOGGIA, 2004, p. 8, grifos meus)
Receio que Sérgio Lessa tenha levado às últimas consequências “a recusa gnosiológica de uma ontologia materialista da natureza e da sociedade”. Lukács, por sua vez, desaconselhou essa recusa.
A respeito do Anti-Duhring, texto ao qual Alex Peloggia recorre para defender a reflexão engelsiana, Osvaldo Coggiola afirma que este
[...]
marca uma nova etapa no desenvolvimento do marxismo, entendido como
unidade de teoria e prática, ou como “teoria que deita suas raízes nas
massas”. Segundo o historiador da social-democracia alemã, Gary P.
Steenson: “A publicação do Anti-Dühring sinaliza o começo de uma escola
de pensamento marxista no país de nascimento do mestre. No contexto da
história do marxismo, a significação do Anti-Dühring
vincula-se à extensão com que Engels ligou a obra de Marx a uma
concepção de mundo abrangente e alicerçada no desenvolvimento das
ciências naturais da sua época”.[7] (COGGIOLA, 1995, p. 33, grifos meus)
Criteriosa, também, é a leitura que Olival Freire Jr., físico e historiador da ciência, faz da obra de Engels — e sem dissociá-la da obra marxiana. O autor examina com grande perspicácia a preocupação de Marx e Engels com o desenvolvimento das ciências naturais e das matemáticas:
Examino,
de início, as motivações que levaram Engels e Marx a dedicarem tanta
atenção ao desenvolvimento das matemáticas e das ciências da natureza. A
leitura do conjunto dos fragmentos de suas correspondências versando
sobre o tema, bem como de suas obras publicadas, nos permite destacar
duas motivações, pela sua atualidade. Há, nessa obra, toda uma
preocupação com a análise da influência das “visões de mundo” — preocupação expressa nitidamente na Dialética da natureza
de Engels. Trata-se claramente de uma preocupação com dimensão
filosófica, e também social, das idéias científicas. Note-se que uma
preocupação com a dimensão filosófica das inovações científicas
atravessou todo o século XX, sendo inclusive uma preocupação
academicamente bem definida. Uma preocupação com a dimensão social das
idéias científicas esboçou-se nos anos 30 com os trabalhos de marxistas
como Hessen e Bernal e de sociólogos não marxistas como Merton e Weber,
mas só adquiriu carta de cidadania acadêmica no pós- Segunda Guerra. A
outra motivação, de imensa atualidade, diz respeito à influência das
inovações científicas na produção material. Marx preocupa-se
especialmente com a influência da química na agricultura e com a
possibilidade de transmitir energia elétrica com altas tensões a grandes
distâncias. Observa-se também que foi exatamente no curso do século
XIX, em especial na segunda metade que, pela primeira vez na história,
teorias científicas foram aplicadas à produção, configurando o que
chamamos de tecnologia para distinguir das técnicas onde não há
essa aplicação consciente de princípios científicos. As indústrias
química e elétrica estão entre as primeiras beneficiadas por essa
interação. Apenas para realçar essa característica inovadora, é bom
lembrar que a revolução industrial, tendo a máquina a vapor como carro
chefe, não foi antecedida pela ciência; pelo contrário, o surgimento da
disciplina termodinâmica pelas mãos do engenheiro francês Sadi Carnot,
no início do século XIX, sucedeu ao uso em larga escala da máquina a
vapor. Desnecessário frisar, neste final do século XX, a
contemporaneidade do papel da ciência na produção dos bens materiais.
[...] As
reflexões engelsianas sobre as ciências da natureza são, portanto,
atuais, e por isso clássicas, por se tratarem de reflexões sobre os
problemas atuais, contemporâneos. (FREIRE JR., 1995, grifos meus)[8]
As reflexões de Engels são, além de atuais, como aponta Freire Jr. (1995), também de suma importância para a ruptura com a metafísica e para a estruturação da concepção materialista da história. Osvaldo Coggiola entende que,
Quanto à “dialética da natureza”, responsável pelo suposto “materialismo naturalista” de Engels, trata-se
do ponto crucial da ruptura do marxismo com a filosofia especulativa,
aí incluída a hegeliana, e sua não menos especulativa “filosofia da
natureza”. Sem o estabelecimento das suas grandes linhas, a
ruptura com a metafísica especulativa teria ficado incompleta, e a
tarefa de expô-la coube inteiramente a Engels. A dialética da natureza
não é uma espécie de “hipótese Gaia” primitiva, personificando a
natureza e despersonificando a sociedade humana. Engels definiu a
dialética em contraste à metafísica, como “ciência das interconexões”.
Ele condensa essas formas de interconexão em três leis: a lei da
transformação da quantidade em qualidade, a lei da interpenetração dos
opostos, e a lei da negação da negação. Mas, como ele enfatiza em Feuerbach, “já não é mais uma questão de inventar interconexões, mas sim de descobri-las nos fatos”. Em Dialética da natureza,
Engels diz que o erro de Hegel “reside no fato de estas leis estarem
impostas à natureza e à história como leis do pensamento, e não
deduzidas das mesmas. Esta é a fonte de todo o seu tratamento forçado e
até mesmo forjado... se invertermos a coisa, tudo se torna simples e as
leis dialéticas, que aparecem de uma forma tão misteriosa na filosofia
idealista, imediatamente ficam claras como a luz do dia.” (COGGIOLA,
1995, p. 98-99, grifos meus)
Pelo exposto, temos que a forma como Engels concebe a dialética e a ciência (e também a sua prática científica de incorporação crítica das conquistas teóricas obtidas), constitui uma fonte ímpar de reflexões complexas acerca da ciência em conexão íntima com a práxis humana, e mesmo como componente desta:
As
formulações de Engels sobre a ciência da natureza são, portanto, de
grande significado para a história e a filosofia contemporânea das
ciências. São reflexões a serem incorporadas ao patrimônio teórico do
marxismo, evitando tendências, presentes no nosso século, seja de
reduzir as ciências naturais a meros integrantes das forças produtivas,
desconsiderando sua dimensão cultural mais ampla, seja de reduzi-las a
meros reflexos ideológicos, equívoco presente no fenômeno, de triste
lembrança do lyssenkismo. Compreender a relativa autonomia do
desenvolvimento científico seria uma aquisição duradoura para o futuro
socialismo. Exemplo prático dessa compreensão, a ser incorporada
positivamente ao legado do marxismo, foi a atitude de Lênin face à
Academia de Ciências, herdada da época czarista, nos primeiros anos do
jovem poder soviético. A manutenção da Academia de Ciências, de sua
autonomia e de seus quadros científicos, mesmo nas difíceis condições
materiais de uma guerra, revela compreensão de que a ciência se apóia no
tênue fio da continuidade. A sabedoria de Lênin foi mais avançada que a
dos revolucionários franceses de 1789, que fecharam a tradicional
Academia de Ciência de Paris. (FREIRE JR., 1995)
A forma de proceder de Engels, portanto, além de anti-metafísica, não autoriza quaisquer perspectivas “positivistas”, ou mesmo naturalizantes e mecanicistas da história, como queriam e ainda querem muitos de seus críticos. Não se trata de ter nas ciências da natureza os parâmetros para se elaborar o conhecimento sobre a sociedade.
É fato que,
No
desenvolvimento do marxismo, contudo, cristalizaram-se significativas
influências positivistas, indo-se ao ponto de ir buscar nas ciências da
natureza (especificamente no materialismo dialético) o fundamento para o
estudo da sociedade (materialismo histórico). Não se pode, contudo, encontrar, no próprio pensamento de Marx e Engels, raízes teóricas para essa tendência.
No Brasil, no início dos anos 80, essa questão foi levantada por Adelmo
Genro Filho, que, pretextando a crítica a tendências naturalistas no
seio do marxismo, em especial no Materialismo dialético e materialismo histórico,
de Stálin, considerou Engels o responsável teórico pelo que denominou
de “dogmatismo naturalista”, propondo-se a tarefa de escrever o que
chamou de Anti-Engels. (FREIRE JR., disponível em www.vermelho.org.br)
Importa considerar que o materialismo de Engels é, na sua essência, dialético, daí que sua reflexão filosófica, além de anti-metafísica, é também um contraponto a formas de materialismo simplistas, mecanicistas, “grosseiros”:
Para rebater o materialismo grosseiro, baseado na fisiologia, de Vogt e de Büchner, tão popular nas Arbeiterbildungsvereine
dos anos 50, dominados pelos liberais, Engels começou a nutrir um certo
interesse pelos progressos das ciências naturais. Após a publicação da Origem das espécies ele
não teve mais dúvidas quanto ao fato de que a concepção histórica
materialista de um modo de produção distinguia claramente a história do
homem da luta darwiniana pela existência. E comentava amargamente
o fato de a burguesia primeiro ter projetado sua própria teoria social
(de Hobbes a Malthus) no mundo da natureza, para depois reassumi-la,
através das investigações de Darwin, como descrição adequada da
sociedade humana. (JONES, 1987, p. 382-383)
Sustentando-nos nas reflexões de Caio Navarro de Toledo, pode-se
considerar que Engels não visou a empreender meras especulações
filosóficas, pois,
[...] no fundamental, sua perspectiva teórica nunca foi — como observaram Gerratana e Glucksmann — a de propor uma “dialética fora do desenvolvimento das ciências e da prática científica dos pesquisadores”. Tal como Lênin, Engels
não defendia uma dialética em geral ou plenamente sistematizada que
viesse, por exemplo, substituir a análise dos processos determinados e
específicos, seja no nível da sociedade, seja no nível da natureza. [...] Uma leitura mais atenta e criteriosa da obra filosófica de Engels — que a situe rigorosamente no seu contexto histórico específico, bem como leve em conta a sua natureza eminentemente polêmica e crítica —
inviabilizará todas aquelas interpretações que pretendiam nela ver a
fonte dos erros e descaminhos sofridos pelo marxismo (“autêntico”,
“revolucionário”) tais como dogmatismo, naturalismo, fatalismo, etc.
Quanto à primeira crítica, vale lembrar a justa e aguda observação de
Lênin: idealistas e agnósticos sabem muito bem que — para desqualificar teoricamente o materialismo — a melhor arma é (ainda) a acusação de dogmatismo. (TOLEDO, 1980, p. 108, grifos meus)
O historiador inglês Edward Thompson também sai em defesa de Engels e da
importância de seu pensamento para a elaboração da concepção
materialista dialética da história. Embora defenda Engels não contra os
ataques provenientes do círculo de alguns filósofos filiados à noção de
“ontologia do ser social”, e sim do marxismo estruturalista de Louis
Althusser, é de crucial importância registrar a posição de Thompson, que
bem situa-se no marco da não aceitação da cisão que se tentou
estabelecer na obra conjunta de Marx e Engels, pois
a concepção materialista dialética da história é o que os une no plano
intelectual e revolucionário, contra as posições idealistas e
metafísicas que insistem em encaixar o real nos conceitos e modelos
aprioristicamente construídos. Thompson recorre a uma carta de Engels a Conrad Schmidt:
Correspondeu
alguma vez o feudalismo ao seu conceito? Fundado no reino dos francos
ocidentais, desenvolvido na Normandia pelos conquistadores noruegueses,
tendo sua formação continuado com os normandos franceses na Inglaterra e
no Sul da Itália, ele chegou mais perto de seu conceito em Jerusalém,
no reino de um dia, que nas Assises de Jerusalém deixou atrás de
si a expressão mais clássica da ordem feudal. Terá sido essa ordem,
portanto, uma ficção uma vez que teve apenas uma curta existência na sua
plena forma clássica, na Palestina, e até mesmo isso se deu muito mais
apenas – no papel?[9]
O que temos aqui? A cuidadosa demonstração da necessidade de se entender que as categorias não modelam a realidade histórica; antes, devem expressar as relações reais enquanto essas existirem, e isso não faz dos conceitos “meras ficções”, como bem observa Thompson (1985), mas os coloca no plano da possibilidade de se fazer reproduzir, pelo pensamento, o movimento do real em sua totalidade, como “concreto de pensamento”, para utilizar uma expressão de Marx.
Portanto, a tentativa de atribuir ao pensamento de Engels as mais ambíguas classificações, de reformismo político idealista a mecanicismo naturalista na interpretação da história resulta, em grande medida, da não leitura de seus escritos, que não contribui para a construção de uma avaliação crítica de sua contribuição sem paralelos para a fundamentação do materialismo histórico dialético no que este tem de mais nuclear. Deste modo, acompanho Ronald Rocha quando avalia que
Os juízos e afirmativas peremptórios e simplistas em que se baseia a campanha contra o seu pensamento (de Engels —
ras), quase sempre desprovida de argumentos sustentáveis, em vez de
ajudarem a compreender suas contribuições e submetê-las a uma avaliação
construtiva, têm sucumbido a ondas fugazes e acabaram tornando-se um
capítulo especial da disputa ideológica que o conservadorismo de cátedra
e o idealismo reciclado empreendem contras as idéias emancipatórias,
especialmente a concepção materialista de mundo. Assim, é preciso,
primeiramente, reconhecer a distinção entre o joio da depreciação —
que não raro assume a forma de um certo fundamentalismo pretensamente
referenciado em Marx, de viés academicista e com o objetivo de provocar
glamour, tão apropriado ao ritual de passagem a doutrinas sociais
carentes de coluna vertebral filosófica e cheias de dedos, “adaptadas”
às condições de sobrevivência nos poros da reação cultural contemporânea
— e o trigo da crítica revolucionária. (ROCHA, 2000, p. 54)
Colocando em questão as críticas a Engels, Ronald Rocha amplia sua
avaliação recorrendo aos argumentos de Atilio Borón, fazendo-os seus:
Algumas
de suas críticas podem ter sido justas, mesmo que ainda nesses casos
com freqüência tenham sido exageradas; outras foram simplesmente
questionamentos escolásticos; algumas, por fim, careciam de profundidade
e eram motivadas por estímulos circunstanciais, necessidades políticas e
pelo influxo deformante da moda intelectual. Tendo
em conta os vaivens político-ideológicos de seus autores, não é
descabido colocar dúvidas acerca da consistência e persistência dessas
críticas e de sua utilidade em um projeto de reconstrução da teoria
marxista. Creio que essa tarefa, todavia, não tem sido levada a efeito e
que a mesma constitui um dos muitos “assuntos pendentes” que tem o
marxismo no final do século XX. (BORON, apud ROCHA, 2000, p. 54 – grifos meus)
Como Atilio Borón, entendo que este “anti-engelsismo” é, ainda, questão pendente para o marxismo nos dias atuais, tal como procurou-se indicar ao longo deste texto. Tratar- se-á apenas de uma questão escolástica ou tendências do marxismo que ainda sustentam o “anti-engelsismo” podem ter implicações teóricas e práticas para nós?
= = =
Notas
[1] Cf. Ester Vaisman, in: LUKÁCS, G. Prolegômenos para uma ontologia do ser social: questões de princípios para uma ontologia hoje tornada possível. São Paulo: Boitempo, 2010, p.18.= = =
[2] LUKÁCS, György. Prolegômenos para uma ontologia do ser social: questões de princípios para uma ontologia hoje tornada possível. São Paulo: Boitempo, 2010.
[3] Cf. LESSA, Sérgio. “Lukács: direito e política”. In. PINASSI, M. O.; LESSA, Sérgio (orgs.) Lukács e a atualidade do marxismo. São Paulo: Boitempo, 2002. p. 103-122
[4] Cf. MINTO, Lalo Watanabe. “Lukács e o marxismo”. Germinal – Boletim do Grupo de Estudos e Pesquisas Marxismo, História, Tempo Livre e Educação. Nº 3, 08/2008. Observe-se que referências completas de Lukács estão todas contidas no texto de Minto.
[5] A citação de Lukács é indireta, extraída do artigo de Tertulian “Uma apresentação à ontologia do ser social de Lukács”, publicado na revista Crítica Marxista, nº 3, 1996, p. 59.
[6] A citação de Tertulian é extraída do seu artigo “Uma apresentação à ontologia do ser social de Lukács”, publicado na revista Crítica Marxista, nº 3, 1996, p. 63.
[7] O trecho citado por Osvaldo Coggiola é extraído de STEENSON, Gary P. No tone man! Not on penny! University of Pittisburgh Press, 1981, p. 193-194.
[8] Uma importante reunião de correspondências de Marx e Engels sobre a importância que davam ao tema do desenvolvimento das ciências e das matemáticas e o já citado texto Cartas sobre las ciencias de la naturaleza y las matemáticas, publicado pela Editora Anagrama, de Barcelona, em 1975.
[9] Citada por THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros – uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 65.
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= = =
Resumo: Este texto objetiva discutir a persistência de uma postura anti-Engels no seio do próprio marxismo, de início apenas procurando indicar essa postura ao longo do tempo para, em seguida, priorizar a análise do que aqui se considera uma tendência do marxismo, a saber, a chamada “ontologia do ser social”. Busca-se não fazer uma crítica em bloco dessa tendência do marxismo e, sim, indicar tensões existentes em seu interior e refletir sobre o modo específico como essa tendência contribui para alimentar uma postura de secundarização da obra de Engels e, por consequência, alimentar também possíveis leituras essencialistas do real a partir do próprio marxismo, de alguma maneira promovendo uma debilitação da concepção materialista dialética da história, cujos fundamentos resultam da obra conjunta de Marx e Engels em seu processo de análise do modo de produção capitalista.= = =
Palavras-chave: Marxismo; Ontologia do ser social; Friedrich Engels.
Abstract: This paper discusses the persistence of an anti-Engels position within Marxism itself, at first just looking at this position over time to then prioritize analysis of what here is considered to be a tendency in Marxism, namely "the ontology of social being." This is not intended as a block criticism of this tendency in Marxism but, rather, an indication of the tensions within it and a reflection on the specific way in which this tendency helps push Engels' work into the background and, so, also fuels possibly essentialist readings of Marxism itself, in some way undermining the dialectical materialist conception of history, the foundations of which are the result of the work done together by Marx and Engels in their analysis of the capitalist mode of production.
Keywords: Marxism; Ontology of social being; Friedrich Engels.
SILVA, R. A. da. “Tendências do marxismo: ʽontologia do ser socialʼ e anti-engelsismo”. In: HISTEDBR On-line, Campinas, nº 69, p. 311-335, set. 2016.
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